Foto:
Marcelo Camargo / Agência Brasil
Já é
oficial. Quem vai importar a energia elétrica da Venezuela para reforçar o
abastecimento de Roraima é a comercializadora da Âmbar, braço de energia da
J&F Investimentos, dos empresários Joesley e Wesley Batista, que também
controla a JBS, maior empresa de carnes do mundo.
A Âmbar
sugeriu, e o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aceitou, que o
consumidor pague de R$ 900 a R$ 1.080 pelo MWh (megawatt-hora), a depender do
montante importado.
Os preços
são bem superiores aos cobrados pela Venezuela de 2001 até 2019, quando o
governo Jair Bolsonaro (PL) suspendeu o fornecimento faltando dois anos para o
encerramento do contrato.
Os valores
anteriores foram acertados entre os governos dos dois países para um prazo de
20 anos e em dólar.
Nos dez
primeiros anos de fornecimento, o MWh foi fixado em US$ 26, o equivalente a R$
127 pelo câmbio atual. Para os dez anos seguintes, foi aplicado o valor de US$
28, R$ 137.
O
fornecedor para a importação brasileira não mudou. Era e será a hidrelétrica
Simón Bolívar, mais conhecida como Guri.
A usina tem
10.200 MW de potência, está entre as maiores do mundo e é a principal fonte da
eletricidade no país vizinho. Inaugurada em 1986, já foi amortizada (pagou
todos os custos de construção) e tem energia barata.
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monitora valores internacionais de energia, dá uma dimensão dos preços
praticados.
No dado
mais recente, de setembro, os consumidores residenciais na Venezuela pagaram
US$ 46 pelo MWh, o equivalente a R$ 226 pelo câmbio atual. Para as empresas,
ficou em US$ 53, R$ 260,5.
Segundo
especialistas do setor, que preferem não ter o nome revelado, essa é uma faixa
de preço compatível com a energia de Guri, diferentemente do valor oferecido
pela Âmbar, que equivale a de uma térmica a óleo diesel.
MUDANÇA
LEGAL PUXA PREÇO FINAL PARA CIMA
Executivos
que participaram da elaboração do primeiro contrato de fornecimento de Guri
relataram à Folha que o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e a
Eletrobras, por meio da Eletronorte, se empenharam para negociar o preço baixo
para o consumidor.
O acordo
começou a ser alinhado em 1994, ainda no governo do venezuelano de Rafael
Caldera, e incluiu a construção de extensões de linhas de transmissão dos dois
lados para fronteira.
O projeto
atrasou, e a inauguração só ocorreu em 2001, já no primeiro mandato de Hugo
Chávez. O ditador Fidel Castro, de Cuba, visitava o país e foi à cerimônia.
O governo
Lula sinalizou ainda no primeiro semestre deste ano que o Brasil voltaria a
importar energia da Venezuela. Apesar do estreitamento das relações entre o
atual governo e Nicolás Maduro, não ocorreu uma negociação pública sobre preço
dessa nova etapa de importação.
Em 4 de
agosto, Lula e Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia, foram a um
evento em Parintins (AM) e assinaram um decreto da Casa Civil para ampliar o
intercâmbio de energia elétrica com países que fazem fronteira com o Brasil,
abrindo caminho para a Venezuela.
A grande
mudança no texto foi de caráter regulatório. Entre as medidas, o decreto
autorizou o uso da importação de energia para reduzir o gasto com a CCC (Conta
de Consumo de Combustíveis). No jargão do setor, tornou a importação elegível
para a sub-rogação.
Em
princípio, a medida é excelente. A CCC banca o combustível das térmicas dos 211
sistemas isolados, não conectados à rede nacional, e quem paga são todos
consumidores do Brasil, na conta de luz.
O gasto é
elevado. Neste ano foram R$ 12 bilhões.
O destino
da energia da Venezuela é Boa Vista e cidades conectadas a ela. Roraima é o
único estado que não esta ligado ao sistema elétrico nacional e depende de
térmicas. Responde por quase 20% da CCC, R$ 2,3 bilhões.
A energia
das usinas Monte Cristo, âncoras do sistema de abastecimento local, por
exemplo, sai a R$ 1.700 pelo MWh.
Por causa
da orientação estabelecida no decreto, o parâmetro de análise do preço é o
gasto com as térmicas mantidas pela CCC. Qualquer energia que custe menos é
bem-vinda. Nessa ótica, os R$ 1.080 propostos pela Âmbar são vantajosos.
No mundo
dos negócios essa lógica é chamada de custo de oportunidade. Os especialistas
da área de energia, porém, estranham que ele seja aplicado sem filtro na gestão
da política pública da modicidade tarifária.
A partir da
assinatura do decreto, o processo de importação da Venezuela acelerou. Em 13 de
setembro, a Âmbar Energia encaminhou ao MME uma carta com a "Proposta de
Importação de Energia Elétrica da República Bolivariana da Venezuela",
informando inclusive os preços.
No dia 19,
a sugestão foi remetida à análise do CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor
Elétrico).
A
importação de energia passa pelo crivo do MME e de órgão setoriais, mas não
demanda licitação. Apenas a Âmbar teve interesse em operar com a Venezuela.
O comitê
aprovou a sua proposta numa reunião em 25 de outubro. O ministro Silveira não
participou. Havia viajado para reuniões em Caracas, para tratar da volta da
importação de energia.
Em 30 de
novembro, uma portaria do MME publicada no Diário Oficial da União ratificou a
Âmbar como importador de energia da Venezuela.
INSTABILIDADE
NA OFERTA DE ENERGIA É OUTRO PROBLEMA
Além da
questão do preço, especialistas da área de energia dizem que faltam detalhes
sobre o item vital, a segurança do fornecimento. Afirmam que, apesar de Lula e
outros representantes do governo falarem que a suspensão do contrato com a
Venezuela foi ideológica, o que realmente pesou foi o critério técnico. Roraima
sofria com quedas de energia. Chegou a ter dez em um único dia.
O corte
definitivo ocorreu após um mega-apagão na Venezuela que afetou Roraima e foi
atribuído à falta de manutenção na linha de transmissão do país vizinho, apesar
de o governo Maduro apresentar a versão de que foi sabotagem.
Lista ****
A Folha apurou que técnicos em Roraima têm uma preocupação adicional.
Argumentam que não parece racional retomar a importação no momento em que
Maduro ameaça anexar Essequibo, região que corresponde a 70% do território da
Guiana.
Roraima faz
fronteira com os dois países e linhas de transmissão são alvo em conflitos
territoriais, afirmam.
Foi
pensando na segurança que o CMSE também definiu que a importação deve ocorrer
de novembro de 2023 a janeiro de 2024, e que os parâmetros de fornecimento e
segurança precisam ser avaliados pela Aneel (Agência Nacional de Energia
Elétrica) e o ONS (Operador Nacional do Sistema).
IMPORTAÇÃO
DA VENEZUELA GERA ECONOMIA PARA OS CONSUMIDORES, DIZEM ENVOLVIDOS NO PROCESSO
Âmbar e MME
não explicaram a diferença do preço e defenderam, em notas enviadas à Folha, os
benefícios da importação da Venezuela.
A Âmbar
afirmou que estruturou uma operação comercial para viabilizar a operação,
apresentando uma nova alternativa para a redução da conta de luz dos
brasileiros e para a descarbonização da matriz energética.
"A
energia está sendo ofertada pela Âmbar a um custo médio 50% inferior ao preço
atualmente pago pelos consumidores para abastecer o estado de Roraima",
afirmou o texto.
"Além
disso, 100% desta oferta da Âmbar vem de fonte renovável, substituindo energia
de fontes fósseis e contribuindo para a redução das emissões de gases do efeito
estufa pela matriz energética brasileira."
A empresa
ressaltou que a linha de transmissão passou por investimentos em reforma e
modernização do lado venezuelano, para voltar a operar dentro dos parâmetros
técnicos exigidos ONS.
O MME
afirmou estar cumprindo a determinação do Decreto nº 11.629/2023, assinado por
Lula em Parintins (AM), e avalia a economia gerada pela importação considerando
os custos de operação do sistema elétrico de Roraima.
"Vale
ressaltar que o MME atua sempre visando a maior modicidade tarifária, conjugada
com segurança energética", destacou a pasta.
A nota
ressaltou ainda que é preciso resguardar a segurança operacional do sistema
elétrico de Roraima, o que pode demandar investimentos do agente importador na
manutenção da linha de transmissão em território venezuelano.
ONS, por
sua vez, afirmou, também em nota, que com base em seus estudos o CMSE decidiu
que a operação precisa ser feita dentro de critérios que evitem corte de carga
em Roraima caso ocorra perda da interligação Brasil-Venezuela.
Neste
sentido, o montante a ser importado vai depender do comportamento da carga e
das características do parque de geração disponível.
"Vale
destacar ainda que o ONS não tem a atribuição de fiscalizar instalações do
Sistema Interligado Nacional, tampouco daquelas localizadas em território
estrangeiro."
Procuradas
pela Folha de S.Paulo, a Presidência da República e a Aneel não comentaram até
a publicação deste texto.