Em sessão marcada por
confronto entre manifestantes e a Polícia Militar, a Assembleia Legislativa do
Estado de São Paulo aprovou na noite desta quarta-feira (6) a privatização da
Sabesp (Companhia de Saneamento do Estado de São Paulo).
Foi uma vitória ampla do governador Tarcísio de Freitas
(Republicanos). Ao todo, mais de 62 de um total de 94 deputados votaram a favor
do projeto do governo, mais do que a expectativa nos últimos dias do próprio
Palácio dos Bandeirantes, que já falava em cerca de 50 nomes. Houve 1 voto não.
A oposição não participou da votação e deixou o plenário
em protesto após a confusão com a PM e argumentou questões de saúde, uma vez
que o plenário estava repleto de gases de efeito moral.
O texto aprovado autoriza o governo a diminuir sua
participação na companhia, hoje em 50,3%, mas não define qual será a parcela
estatal na companhia.
A gestão Tarcísio afirma que ficará com "algo entre
15% e 30%", mas a definição deve vir apenas na próxima fase de estudos, em
janeiro —portanto ainda é impossível estimar quanto o governo arrecadará com a
venda.
Apesar da redução, o texto prevê que o governo manterá uma
ação preferencial de natureza especial com poder de veto em algumas decisões do
conselho da companhia. Trata-se da chamada "golden share".
Esses vetos poderão ser aplicados em deliberações
relacionadas ao nome e à sede da empresa; a mudanças no objeto social da
companhia que alterem a função de prestação de serviços de saneamento; e a
limites ao direito ao voto de acionistas.
Houve tensões desde o começo da sessão, com manifestantes
vaiando deputados do governo. Em determinado momento da audiência, os
manifestantes contrários à privatização entraram em confronto com a PM. Eles
tentaram derrubar um vidro que separa a audiência dos deputados. A PM, que faz
a segurança da Alesp, tentou conter. Após minutos de confusão, os policiais
agiram com cassetetes e spray de pimenta.
O presidente da Assembleia, André do Prado (PL), precisou
suspender a sessão e a galeria foi esvaziada. Os manifestantes fazem parte de
sindicatos como a Apeoesp (Sindicato dos Professores Estaduais) e o Sintaema
(sindicato dos trabalhadores do saneamento).
Fotógrafos da Folha e do Estado de S. Paulo também foram
atingidos diretamente por spray da Polícia Militar. Ao menos um manifestante e
um policial militar saíram do plenário sangrando.
Deputados, muitos deles idosos, deixaram o plenário
chorando com os efeitos da reação da PM, que atingiu também jornalistas na
galeria de imprensa. Há uma deputada grávida, Paula da Bancada Feminista
(PSOL). O deputado Rafael Silva (PSD), que é cego, foi retirado de cadeira de
rodas.
Deputados, muitos deles idosos, deixaram o plenário
chorando com os efeitos da reação da PM, que atingiu também jornalistas na
galeria de imprensa.
"Nós tomamos uma decisão de que é inadmissível e
impossível voltar para o plenário nas condições que temos lá dentro",
disse o deputado Paulo Fiorilo (PT), que citou a situação de Paula da Bancada
Feminista e de Mônica Seixas (PSOL), que sofreu um aborto recentemente, além de
Eduardo Suplicy (PT), com 82 anos, e Leci Brandão (PCdoB), com 79.
"Nós achamos que é impossível continuar o processo do
jeito que está agora, porque ninguém consegue continuar lá", disse
Fiorilo. "Estamos repudiando a violência que ocorreu no plenário, o uso da
força da polícia de forma exagerada", afirmou.
Já a situação criticou o que chamou de
"barbárie" dos manifestantes. "A gente ainda assim vai votar a
privatização da Sabesp, não vai ser nenhum militante criminoso que vai nos
impedir de levar saneamento básico a nossa população", disse Guto Zacarias
(União Brasil), vice-líder do governo.
Barros Munhoz (PSDB), relator do projeto, afirmou que a
confusão "foi orquestrada, foi planejada" como manobra da oposição
para adiar o processo.
A sessão que aprovou o projeto após a confusão serviu como
ato de desagravo à Polícia Militar, com deputados da base governista elogiando
a atuação dos policiais e criticando o comportamento dos manifestantes.
O presidente da Alesp, André do Prado, concluiu os
trabalhos rebatendo críticas e dizendo que não foi irresponsável quando decidiu
prosseguir com a sessão após a confusão. Segundo ele, seria um desrespeito com
os parlamentares que aguardaram a semana toda para apreciar o projeto de lei.
"Recebemos todos nesta galeria, abrimos a porta desta
Assembleia para que os plenários ficassem cheios, a sociedade que queria lutar
contra a privatização teve seu acesso. Infelizmente, infelizmente, por um ato
de vandalismo, quiseram invadir o plenário. Então agradecer muito a nossa
Polícia Militar que manteve a nossa segurança", disse.
A votação expressiva, com 62 votos a favor, chamou atenção
porque o governo havia reduzido as expectativas nos últimos dias e esperava ter
cerca de 50 nomes favoráveis, em meio a dissidências da base e indefinições
sobre o posicionamento dos partidos União Brasil e Podemos.
Ao fim, os dois partidos votaram com o governador. A
oposição afirma que isso aconteceu após o governo prometer R$ 20 milhões na
liberação de emendas e pagamentos de indicações, o que partidários de Tarcísio
negaram.
A lei aprovada estabelece que 30% do dinheiro arrecadado
com a venda das ações (que ainda não se sabe o valor) será usado para criar um
novo fundo, o Fausp, de apoio à universalização do saneamento no estado, que
será destinado a "proporcionar modicidade tarifária", ou seja, baixar
o preço pago pela população pelos serviços de água e esgoto.
Essa redução da tarifa é a principal propaganda do governo
para convencer a população da privatização. No entanto, a gestão Tarcísio não
divulgou uma estimativa de quanto a tarifa poderá baixar se a empresa for
desestatizada, ou subir caso permaneça estatal.
O governo paulista diz que a desestatização da Sabesp
permite aumentar os investimentos da companhia em modernização, antecipar a
universalização do acesso a água e esgoto de 2033 para 2029 e baratear a tarifa
para o consumidor.
A gestão Tarcísio afirma que a privatização aumentará em
R$ 10 bilhões o investimento disponível para a universalização, hoje previsto
em R$ 56 bilhões até 2029.
A oposição diz que a privatização vai afetar os serviços
de regiões que hoje não dão lucro, que o barateamento da tarifa dependerá de
subsídio do governo e que a empresa pública também tem condições de antecipar a
universalização do tratamento.
Outro argumento repetido pela oposição é que a Sabesp é
hoje uma empresa superavitária, com gestão considerada eficiente. Só em 2022, a
companhia registrou lucro líquido de R$ 3,12 bilhões.
Além disso, a maior parte da população seria contrária à
venda. Pesquisa Datafolha de abril apontou que 53% dos moradores do estado de
São Paulo são contrários à venda da empresa, enquanto 40% são favoráveis.
Aprovado o projeto, os deputados opositores devem
continuar acionando a Justiça, tentativas que até agora não deram resultado.
Eles argumentam que a privatização não deveria ter
ocorrido por projeto de lei ordinária, mas por proposta de emenda à
Constituição do estado, que prevê, na interpretação deles, que a operação do
saneamento seja estatal.
A Constituição diz, em seu artigo 216, que o estado
"assegurará condições para a correta operação, necessária ampliação e
eficiente administração dos serviços de saneamento básico prestados por
concessionária sob seu controle acionário".
Para a base, isso não significa que a operação tem que ser
estatal, apenas que as condições precisam ser garantidas. A Justiça até agora
não acatou nenhuma das liminares apresentadas pela oposição.
A oposição critica também a tramitação, considerada
acelerada, já que o governo apresentou o projeto de lei com urgência, o que
permitia apenas 45 dias de discussão antes da chegada ao plenário.
Assim, comissões que deveriam debater a proposta
individualmente foram unidas em um grande "congresso de comissões" e
houve apenas uma audiência pública.
Deputados contrários chegaram a usar estratégias para
atrasar a tramitação, como a leitura de um relatório de mais de mil páginas em
uma dessas comissões, mas o projeto precisou avançar por ter sido enviado em
caráter de urgência.
Agora, a discussão deve chegar aos legislativos
municipais, onde encontrará mais resistência.
Na cidade de São Paulo, por exemplo, de onde vem cerca de
metade do faturamento da Sabesp, os vereadores mesmo de partidos ligados à base
de Tarcísio são mais resistentes à privatização.
Na capital, o atual convênio com a Sabesp foi celebrado em
2010 e prevê a exploração do serviço por 30 anos, prorrogáveis. O texto afirma,
no entanto, que caso a companhia seja privatizada o acordo está rompido e deve
ser renegociado.
Em agosto, porém, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) incluiu a
cidade em uma das chamadas Unidades Regionais de Abastecimento de Água e
Esgotamento (Uraes).
O governo pretende usar as Uraes para negociar contratos
da Sabesp privatizada em bloco, não cidade a cidade, enfraquecendo o poder de
barganha de cada município.
Os vereadores, no entanto, afirmam que, mesmo com a
inclusão na Urae, o contrato precisará ser renegociado com a capital.
Outras cidades do interior também mostraram resistência à
privatização. O prefeito de Botucatu, Mário Pardini (PSD), de partido da base
do governador, chegou a participar da audiência pública na Alesp e discursar
contra a privatização.