Foto: José Cruz / Agência Brasil
Documentos
de dois convênios bancados com emendas de R$ 10 milhões do ministro Juscelino
Filho (Comunicações) mostram que dinheiro público da Codevasf beneficiou por
duas vezes a própria fazenda do político maranhense, além de abastecer uma
empresa apontada como sendo dele mesmo pela Polícia Federal.
As obras
foram conquistadas por empreiteiras que estão no centro da investigação que
mira desvios em contratos custeados com dinheiro da estatal comandada pelo
centrão.
Um convênio
bancou a recuperação da estrada de terra que liga a cidade de Vitorino Freire
(MA) a propriedade de sua família. O outro, ainda não totalmente executado,
custeou um contrato para pavimentação da via.
A
propriedade é conhecida como Fazenda Alegria e chegou a ser indicada como um
dos locais onde a PF queria fazer busca e apreensão para avançar na apuração
sobre Juscelino na Operação Benesse, que foi deflagrada em setembro e é
terceira fase da Odoacro, investigação que mira convênios da Codevasf pagos com
emendas.
O pedido,
no entanto, foi negado pelo ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo
Tribunal Federal).
A estrada e
a fazenda ficam em Vitorino Freire, base eleitoral do ministro e comandada por
sua irmã, Luanna Rezende, ambos filiados à União Brasil. Os dois são
investigados na Odoacro, e a prefeita chegou a ser afastada do cargo.
Uma
primeira emenda do então deputado Juscelino, no valor de R$ 2,56 milhões,
bancou entre 2017 e 2019 a recuperação da estrada vicinal de terra que liga o
distrito São João do Grajaú ao povoado de Estirão, onde fica a sede da fazenda
da família do ministro.
No caso
dessa emenda, o benefício pode ter ido além da benfeitoria na estrada que leva
até a fazenda. Isso porque, além de favorecer uma via que leva até o imóvel da
sua família, a obra também foi executada pela empresa Arco Construção que, como
mostrou a Folha de S.Paulo, é indicada pela PF como sendo do próprio Juscelino.
A defesa de
Juscelino nega que ele seja dono da Arco e classifica como ilação a suspeita de
que o ministro tenha tido proveito pessoal por meio da atividade como deputado.
Investigadores
apontam ainda que, no passado, duas pessoas que ocuparam cargos de assessoria
do gabinete do político, Lia Candida Soares e Anne Magalhães, já integraram o
quadro societário da companhia.
A atuação
da Arco na obra da estrada que beneficia a fazenda reforça a suspeita da PF de
que dinheiro de emendas parlamentares teria sido desviado em proveito do
próprio ministro, uma vez que os investigadores o apontam como real dono da
empresa.
A PF
encontrou mensagens entre Juscelino e o empresário Eduardo DP da época em que a
obra era realizada. As mensagens mostram solicitações de pagamentos à empresa
"com a justificativa de ser realizado serviço de terraplanagem de uma
obra".
A polícia
afirma que há nas mensagens "cobranças reiteradas" de Juscelino pelo
pagamento. A investigação encontrou comprovante de transferência para a Arco de
R$ 63 mil feita por um suposto laranja de Eduardo DP.
O
empresário tem relação com o suposto segundo favorecimento à fazenda de
Juscelino. A Construservice, empresa apontada pela PF como sendo de Eduardo DP,
foi a contratada com parte de uma emenda de R$ 7,5 milhões, também do atual
ministro das Comunicações, para asfaltar a mesma estrada que leva até o imóvel
rural.
Essa
segunda obra da Construservice na estrada foi revelada pelo jornal O Estado de
S. Paulo.
Documentos
relacionados aos dois convênios da Codevasf mostram que o mesmo trecho de cerca
de 9,8 km está na lista das vias que receberiam as obras. Essa rua de terra
liga a Fazenda Alegria a um ponto da estrada MA-119 que está a cerca de 14 km
de distância do centro de Vitorino Freire.
O relatório
entregue ao STF pela PF afirma que a estrada incluída nos convênios da Codevasf
atravessa fazendas de Juscelino e da prefeita Luanna. O documento ainda destaca
que o trecho que a Construservice deve asfaltar ultrapassa 18 km, enquanto
outras obras bancadas pela emenda de R$ 7,5 milhões beneficiam ruas com menos
de 1 km.
Documentos
relacionados à execução dos contratos mostram fotografias de 2021 com trechos
que devem ser asfaltados pela Construservice. Essa mesma estrada havia sido
reparada pela Arco, em obra que terminou em 2019, mas as imagens feitas pela
prefeitura de Vitorino Freire mostram diversos buracos na via de terra.
A PF
fotografou outras obras precárias da Construservice em povoados próximos.
"As imagens seguintes demonstram que grande parte das ruas estão tomadas
por buracos e o asfalto já é quase inexistente", afirma o relatório.
"A
situação encontrada pela equipe causou perplexidade na Autoridade Policial
signatária, sobretudo porque a empreitada ilícita não causa somente prejuízos
financeiros, como também expõe a população a risco", diz ainda o
documento.
DEFESA DIZ
QUE ILAÇÕES SÃO ABSURDAS E NEGA PROVEITO PESSOAL
A
reportagem perguntou ao ministro Juscelino Filho sobre as obras que beneficiam
a fazenda do político do Maranhão. Também questionou se ele considera que há
conflito de interesses em ter indicado valores de emendas para bancar contratos
de empresa que a PF aponta como sendo dele mesmo, entre outros pontos.
Os
advogados do ministro não responderam pontualmente as respostas, mas afirmaram
que são "absurdas as ilações de que Juscelino tenha tido qualquer proveito
pessoal com sua atividade parlamentar".
"Trata-se
de mais um ataque na tentativa de criminalizar as emendas parlamentares, um
instrumento legítimo e democrático do Congresso Nacional, enquanto não há
absolutamente nada que desabone a atuação de Juscelino Filho no Ministério das
Comunicações", afirma a nota assinada pelos advogados Ticiano Figueiredo e
Pedro Ivo Velloso.
Os
advogados também dizem que as "supostas mensagens, assim como ilações
sobre empresa da qual nunca foi sócio, já constavam do relatório da PF usado na
tentativa de fundamentar uma busca e apreensão em relação a Juscelino
Filho". "E estas alegações já foram analisadas pelo STF, que
inclusive rejeitou o pedido de cautelar feito pela PF."
Ao negar a
busca e apreensão contra Juscelino, o ministro Barroso, então relator do caso,
afirmou que havia risco de "impacto institucional da medida", cujo
dano poderia ser "irreversível".