Foto:
Reprodução / Gov.Ba
No dia 24
de outubro, a cantora gospel Sara Mariano desapareceu após sair da casa onde
morava, no bairro de Valéria, em Salvador, para participar de encontros de
mulheres na região.
Depois de muita aflição da família e dos amigos, o corpo de Sara foi encontrado
parcialmente carbonizado em um matagal em Dias d'Ávila, na Região Metropolitana
de Salvador (RMS). A identificação do corpo foi feita em duas horas, através
das digitais da cantora.
Este tipo
de procedimento, porém, vem enfrentando obstáculos para ser realizado na Bahia,
mais especificamente na capital. Isso porque os peritos técnicos, que exercem
atividades na área de papiloscopia - método de identificação através de
digitais - são impedidos de emitir laudos periciais.
Ao Bahia
Notícias, a assessoria de comunicação do Departamento de Polícia Técnica (DPT)
informou que não existe o cargo de papiloscopista no quadro de carreiras
próprias do DPT. A corporação detalha que a Lei Orgânica da Polícia Civil não
atribui aos profissionais a prerrogativa de emitir laudos periciais. “Os
peritos técnicos possuem atribuição de emitir Laudos de Vistoria de danos em
veículos”, diz a nota.
Conforme a
determinação que rege a Polícia Civil baiana, a categoria serve de auxiliar e é
subordinada ao perito criminal, ao perito médico legista e ao perito
odonto-legal, na execução de exames e perícias.
Por conta
dessa hierarquia, os servidores denunciam que não são autorizados a colher
impressões digitais em locais de crimes, o que pode dificultar a elucidação de
transgressões das mais variadas, indo de violações a patrimônios até
homicídios.
Para poder
exercer a plenitude da função, os peritos técnicos precisam recorrer à Justiça.
Sindicatos que representam a categoria enviaram uma série de mandados de
segurança ao Poder Judiciário para que os profissionais possam emitir laudos
periciais.
“Foram
baixadas inúmeras portarias nos impedindo de trabalhar e derrubamos todas na
Justiça”, disse o presidente do Sindicato dos Peritos Técnicos da Bahia
(Sindpep), Mateus Bereh.
Bereh
afirma que a Bahia é o único estado brasileiro que adota a prática. “Nos outros
estados a nomenclatura é perito papiloscopista ou papiloscopista policial e
fazem laudos sem problemas. É pura questão de vaidade”, acrescenta.
DISPARIDADE
ENTRE SALVADOR E INTERIOR
O
presidente do Sindpep conta que no interior a realidade é diferente da capital.
Com mais liberdade para trabalhar, os peritos técnicos usam do seu conhecimento
na tentativa de elucidação de crimes. E os números indicam isso.
Dados
obtidos pela reportagem apontam que, em 2022, Salvador, que tem 2,5 milhões de
habitantes segundo o Censo de 2023, emitiu 232 laudos periciais de
papiloscopia. Feira de Santana, com 616 mil habitantes, o segundo município
mais populoso do estado, registrou 603.
Já em
Ilhéus, no litoral Sul baiano, no ano passado foram emitidos 573 laudos. A
cidade tem 178 mil habitantes. A disparidade entre capital e interior se repete
quando entram na comparação Alagoinhas (358), Itaberaba (340), Senhor do Bonfim
(273), Juazeiro (246) e Camaçari (245). Todos estes municípios possuem menos de
300 mil habitantes.
“Esses
peritos técnicos da capital vão para o local do crime, mas não são permitidos a
coletar vestígios. O que eles fazem? Viram o corpo de um lado para o outro, vez
ou outra tem munições para recolher e só isso. Meramente trabalham em serviços
auxiliares. Então esse é o grande gargalo que diferencia o interior da
capital”, afirmou Mateus Bereh.
BAIXA
RESOLUÇÃO DE CRIMES
A Bahia
figura entre os estados com as piores taxas de resolução de crimes violentos do
Brasil, segundo diferentes bases de pesquisa renomadas. A última edição do
estudo, “Onde Mora a Impunidade”, publicado pelo Instituto Sou da Paz em 2022,
mostra que o estado divide a segunda posição com Pará e Piauí entre os entes da
federação que menos resolvem casos violentos, com apenas 24% dos homicídios
ocorridos em seus territórios em 2019, perdendo apenas para o Amapá, com taxa
de 18%.
Para
publicar a pesquisa, o Sou da Paz requisitou aos Ministérios Públicos e aos
Tribunais de Justiça das 27 unidades federativas do país informações sobre
homicídios dolosos (com a intenção de matar) que geraram ações penais. Na
edição do ano passado, foram solicitados via Lei de Acesso à Informação (LAI)
dados de homicídios que aconteceram em 2019 e esclarecidos até 2020. A próxima
edição do estudo deve sair até o início de 2024.
Um
levantamento feito pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol
do Brasil) apontou a Bahia, novamente, como um dos estados com menor
resolutividade de crimes violentos em 2022.
Utilizando
informações solicitadas via LAI para as Polícias Civis de cada estado
brasileiro, se constatou que a Bahia aparece, mais uma vez, na segunda pior
colocação, com 17,1% inquéritos concluídos, ficando atrás apenas do Rio de
Janeiro, que registrou 11,8%.
NOVA LEI
PODE MUDAR CENÁRIO
Um Projeto
de Lei aprovado recentemente pelo Senado é a esperança de dias melhores para a
categoria. Trata-se da Lei Geral da Polícia Civil. O projeto institui
princípios e diretrizes a serem seguidas pelos estados quando elaborarem ou
reformularem suas leis orgânicas sobre essas organizações.
À espera da
sanção presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a medida vai estabelecer
diretrizes que devem ser seguidas por todas as Policias Civis do Brasil. Hoje,
cada estado tem o poder de determinar as normas da corporação.
Além disso,
segundo o projeto, deverá haver ao menos dez órgãos essenciais na estrutura
organizacional básica da Polícia Civil, entre os quais delegacia-geral,
corregedoria-geral e escola superior. A Polícia Civil também deverá
contar com um conselho superior, que será composto por representantes de todos
os cargos efetivos que integram a corporação, com a possibilidade de eleição de
seus membros e participação paritária.
A medida
também determina que as unidades se subdividem em execução, de inteligência,
técnico-científicas, de apoio administrativo e estratégico, de saúde e de
tecnologia.