Foto: Juca Varella/Agência Brasil

A Justiça de Minas Gerais ordenou a suspensão temporária e imediata dos estornos de compras no cartão crédito que consumidores fizeram com a 123milhas.
 

A decisão de primeira instância proferida pela juíza Claudia Helena Batista foi publicada na terça-feira (10). Batista é relatora da recuperação judicial da empresa.
 

Clientes que haviam solicitado a suspensão de pagamentos por pacotes cancelados pela companhia podem voltar a ser cobrados pelos serviços, mesmo que eles não sejam prestados.
 

A decisão também obrigou bancos a liberarem à empresa todos os valores que haviam sido bloqueados a partir dos pedidos de devolução. Procurada, a 123milhas afirmou que não irá comentar a decisão judicial.
 

No processo, a empresa alegou que os estornos foram solicitados pelos clientes às instituições financeiras de forma indevida, que bloquearam os repasses de recursos.
 

Para a juíza, a continuidade dos estornos violaria o princípio da paridade entre os credores e que tais créditos também estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial.
 

"A Justiça entendeu que a conduta dos consumidores de pedir o estorno das parcelas seria ilegal. A decisão onera os clientes, que passam a ser obrigados a pagarem as parcelas, mesmo sendo notório que os serviços contratados não serão prestados", diz Gabriel de Britto Silva, advogado especializado em direito do consumidor e diretor jurídico do Ibraci (Instituto Brasileiro de Cidadania).
 

Para o especialista, a decisão da Justiça mineira viola outro princípio, o da "exceção do contrato não cumprido", válido quando uma das partes não cumpre sua obrigação em um contrato. Nesse caso, a outra parte também ficaria desobrigada de cumprir sua obrigação.
 

"Considerando que as empresas em recuperação judicial não irão cumprir o serviço, os consumidores poderiam, legitimamente, deixar de cumprir com os pagamentos", afirma Silva.
 

"A Justiça suspendeu os estornos porque entendeu que a devolução desses valores seria ilegal, daria uma vantagem para quem pagou com cartão de crédito, que já teria seu valor recuperado", diz Diego Marcondes, advogado especializado em direito do consumidor e sócio da Marcondes Advocacia. "Quem pagou seus pacotes de viagens com Pix ou boleto bancário, por exemplo, não teria essa mesma igualdade."
 

Para Luis Alberto Paiva, economista e CEO da Corporate Consulting, a decisão da Justiça está correta e os estornos não podem ser realizados, pois poderiam caracterizar privilégios para os consumidores em detrimento de outros credores.
 

"A empresa pediu recuperação judicial e listou os credores [clientes] na RJ. Não existe agora a possibilidade de devolver dinheiro que está listado. Isso caracteriza privilégios, fraude a credores e pode incorrer em crime falimentar [conduta fraudulenta cometida por devedores ou terceiros em prejuízo de credores no âmbito de uma recuperação judicial]", diz.
 

Operadoras de crédito deverão reembolsar a 123milhas com as quantias que foram bloqueadas. Embora a decisão tenha efeito imediato, está sujeita a recurso.
 

A juíza ressalta que a decisão não abrange contestações fundamentadas em fraude, como compras não autorizadas pelo titular do cartão.
 

"É importante que decidam se a empresa está ou não em recuperação judicial. Ou desistem e devolvem o dinheiro aos consumidores, ou mantêm o processo e conduzem conforme determina a lei", afirma Paiva.
 

A 123milhas havia entrado com o pedido de recuperação judicial no fim de agosto. No entanto, o processo foi suspenso pela Justiça em 20 de setembro. No mesmo mês, também entrou em RJ a MaxMilhas, outra companhia que pertence aos fundadores e irmãos Ramiro e Augusto Júlio Soares Madureira.
 

Na segunda (9), a CPI das Pirâmides Financeiras pediu o indiciamento dos sócios da 123milhas, como mostrou reportagem da Folha de S.Paulo. A empresa nega "veementemente que tenha atuado como pirâmide financeira ou que sua atuação possa sequer ser comparada à de uma instituição financeira".