Foto: Raffa Neddermeyer/Agência Brasil


O primeiro medicamento indicado para tratamento da doença de Alzheimer sintomática inicial, foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na última terça-feira (22).  A Doença de Alzheimer (DA) é uma condição neurodegenerativa progressiva e fatal, reconhecidamente restrita à memória, função cognitiva e atividades motoras. Estes são os sintomas que o Kisunla [donanemabe], medicamento fabricado pela farmacêutica Eli Lilly, é indicado para tratar, ainda que na fase inicial.

 

De acordo com dados do Ministério da Saúde, em 2023, cerca de 1,2 milhão de pessoas eram portadoras da Doença de Alzheimer no Brasil e a cada ano, uma médica de 100 mil novos casos eram detectadas, até então. O Bahia Notícias conversou com a especialista em Neurologia Roberta Kauark para compreender a dinâmica da doença e como o novo medicamento altera os tratamentos já existentes.

 

Segundo estudos oficiais, “a doença se instala quando o processamento de certas proteínas do sistema nervoso central começa a dar errado”. "Surgem, então, fragmentos de proteínas mal cortadas, tóxicas, dentro dos neurônios e nos espaços que existem entre eles. Como consequência dessa toxicidade, ocorre perda progressiva de neurônios em certas regiões do cérebro, como o hipocampo, que controla a memória, e o córtex cerebral, essencial para a linguagem e o raciocínio, memória, reconhecimento de estímulos sensoriais e pensamento abstrato”, diz a nota disponível na cartilha do Ministério.

 

É neste cenário que o Kisunla [donanemabe] atua: o medicamento é um anticorpo monoclonal que se liga à proteína em questão, o beta-amiloide. O medicamento atua se ligando a esses aglomerados de proteína e redução-os, prometendo retardar a progressão da doença.

 

Com relação ao panorama da doença no país, o neurologista cita que estudos atuais registram um crescimento de 22% nos diagnósticos. Ela afirma, no entanto, que isso se justifica por uma conjunção de fatores, incluindo o aumento da cobertura de saúde pública, por meio do SUS. Os dados que assustam, no entanto, são os de óbitos em decorrência da doença.

 

Uma pesquisa realizada por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Centro Médico da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, aponta que o Brasil registrou mais de 211 mil mortes por complicações associadas à doença entre os anos 2000 e 2019. Foram analisados ​​os dados registrados no Sistema de Informação sobre Mortalidade do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus).

 

"Se a gente diagnostica mais, a doença é uma doença incurável que progride e pode levar ao óbito com suas complicações, é claro que mais pacientes estão, então, falecendo por complicações da doença. E acho que, além disso, como eu falei, tem também o fato de hoje em dia termos maior conclusão de dados, dados mais seguros e maior acesso da população que está envelhecendo a rede de saúde", explica a médica.

 

Nos centros de referência do Sistema Único de Saúde (SUS), o tratamento para a DA é multidisciplinar e integral. Os medicamentos utilizados ajudam a retardar a evolução dos sintomas.

 

Para a aprovação do Kisunla, o relatório analisado pela Anvisa conta com um estudo realizado pela farmacêutica em oito países, com 1.736 pacientes em estágio inicial. O estudo mostra que com a posologia de 700 miligramas do medicamento a cada quatro semanas nas três primeiras doses e, depois, com 1.400 miligramas a cada quatro semanas, os pacientes tratados com donanemabe apresentaram menor progressão e maior estabilidade na doença de Alzheimer (DA), em comparação aos pacientes tratados com placebo.

 

"Com base nos estudos que foram realizados, a medicação mostrou melhora tanto nos exames, que mostrou menor carga de beta-milóide cerebral, como também melhorou a clínica desses pacientes. Isso vai trazer um, vai espelhar uma melhoria na qualidade de vida e de autonomia desses pacientes", afirma.

 

No entanto, o medicamento possui contra prescrição: O tratamento é contra-indicado em pacientes que estejam tomando anticoagulantes, ou que tenham sido documentados com angiopatia amiloide cerebral (AAC) em ressonância magnética. Nestes casos, os riscos são considerados maiores que os benefícios apontados à Anvisa.

 

O especialista, Kauark, chama a atenção para a questão. “[O medicamento] É um avanço, mas a gente precisa chamar atenção para algumas coisas. Primeiro, é que a medicação mostrou benefícios na população com declínio cognitivo leve, ou seja, anterior à demência e em demência leve nos pacientes. A segunda coisa é que mesmo nessa população bem específica, houve uma complicação maior de sangramento intracerebral em uma parte desses pacientes. Então, mesmo nos pacientes com demência inicial ou declínio cognitivo leve, existe outra população com um maior risco de uso. Uma mensagem que fica é que esses pacientes precisam ser muito bem bem selecionados”, destaca.

 

Ao falar sobre o perfil dos pacientes para a medicação, os detalhes médicos que já existem uma mudança nos pacientes diagnosticados. Considerando que a DA está diretamente ligada às questões do envelhecimento, a doença ainda é mais comum entre pessoas com mais de 60 anos, no entanto, o aparecimento precoce da doença se torna mais comum. "É possível o aparecimento antes dos 65 anos de idade, de forma muito precoce. O Alzheimer precoce, entre os 30 a 50 anos, a nossa suposição é que pela genética associada, esse tipo de diagnóstico aumenta. Então, nesses pacientes abaixo dos 50 anos de idade, é importante para as pessoas fazerem uma investigação de causa genética para essa doença de Alzheimer", ressalta.

 

Conforme aprovação da Anvisa, o Kisunla [donanemabe] já pode ser distribuído e utilizado em território nacional, dentro dos prazos e limites aprovados pela agência. Agora, a medicação aguarda precicificação na Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED).

 

Para Roberta, essa etapa é fundamental para compreender como esse tratamento pode impactar no mercado. "Essa medicação passa por uma 2° etapa, que é a precificação. A gente aguarda com ansiedade, porque os preços praticados fora do Brasil são muito altos para o uso da medicação. Então, a gente tem que saber qual a previsão do uso da medicação de forma geral no Brasil. Além disso, é necessária uma definição brasileira de protocolos muito bem estruturados, principalmente se a gente vislumbra o uso dessa medicação no futuro ao nível do SUS", reflete.

 

Um neurologista conta que "fora do Brasil, nos estudos que foram realizados, foram encontrados biomarcadores e exames feitos como, por exemplo, o PET Amiloide, que a gente não tem disponibilidade facilmente no Brasil de realizar. Então, são alguns desafios que precisam ser resolvidos para que a medicação, então, possa ser usada aqui no Brasil", conclui.

 

Em nota pública, a Anvisa garantiu que “como acontece com qualquer medicamento, monitorará a segurança e a efetividade do donanemabe sob análise rigorosa”. “Serão rompidas atividades de minimização de risco para o donanemabe em conformidade com Plano de Minimização de Riscos aprovado”, escreveu a entidade.

 

Por Bahia Notícias