Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 10 de abril de 2025
A partir dos 13 anos, no Brasil, qualquer jovem pode ter acesso ao Discord. O aplicativo Ă© usado principalmente por adolescentes que querem jogar e conversar ao mesmo tempo, e, inclusive, foi desenvolvido com esse propĂłsito. Mas a ideia de uma plataforma capaz de acoplar vĂĄrios chats de comunicação de voz e vĂdeo ganhou contornos sombrios nos Ășltimos anos. Estupros virtuais, automutilação e comercialização de pornografia infantil sĂŁo a ponta do iceberg de uma tendĂȘncia de tranformação da violĂȘncia em entretenimento nas diversas plataformas. Os principais alvos? Crianças e adolescentes.
Caça ao crime virtual
Em novembro de 2024, a PolĂcia Civil de SĂŁo Paulo deflagrou a Operação Nix: uma espĂ©cie de caça ao crime no ambiente virtual. As investigaçÔes começaram apĂłs denĂșncia anĂŽnima e logo foram descobertas em diferentes estados diversas vĂtimas, principalmente de estupro virtual e automutilação, que tiveram suas imagens divulgadas pelos lĂderes dos grupos. Esses tambĂ©m estavam em vĂĄrias cidades. O endereço de um deles bateu em Salvador. Luis Alexandre de Oliveira Lessa foi preso no mesmo mĂȘs.
Soldado do digital
AtĂ© aquele momento, para os familiares, ele era um jovem de 20 anos, soldado do ExĂ©rcito e lutador de jiu-jitsu. AtrĂĄs das telas, ele se tornava o "Hitler da Bahia" ou "Sagaz" e liderava um grupo de adolescentes no Telegram, que praticava estupro virtual, com incentivo Ă automutilação, pedofilia e "violĂȘncia por diversĂŁo", apontou a investigação do MP-SP. Com o material desses crimes em mĂŁos, as lideranças conseguiam ainda fazer com suas vĂtimas nĂŁo se desligassem dos grupos, permanecia como espĂ©cies de refĂ©ns virtuais.
Ao Jornal Metropole, LisĂĄndrea Colabuono, coordenadora do NĂșcleo de Observação e AnĂĄlise Digital (Noad) da PC-SP, explica que âSagazâ usava as vestimentas do ExĂ©rcito âpara passar credibilidade e atuar no grupo com uma superior hierarquiaâ, caracterĂstica que nĂŁo Ă© incomum entre os investigados. Nix, o nome da operação, nĂŁo Ă© Ă toa: se refere a uma deusa da mitologia grega que era considerada a personificação da noite, escuridĂŁo e trevas. Era, inclusive, o codinome usado nas redes sociais por um dos outros alvos dos policiais.
Na insegurança de casa
Durante a investigação, uma das agentes infiltradas nesses grupo chegou a ligar para a mĂŁe de uma das jovens que estava prestes a se tornar vĂtima de um estupro virtual. Mesmo desconfiando que se tratava de um trote, afinal âsua filha estava segura em casaâ, a foi atĂ© o quarto da menina e conseguiu evitar.
Com a violĂȘncia sendo tratada como entretenimento, a sequĂȘncia de absurdos teve seu estopim na Ășltima segunda-feira (7): a PolĂcia Civil de SĂŁo Paulo instaurou um inquĂ©rito para investigar o Discord por apologia Ă violĂȘncia digital. A rede social descumpriu uma solicitação emergencial realizada pelas autoridades para derrubar uma transmissĂŁo ao vivo onde eram exibidas cenas de automutilação. O sofrimento alheio Ă© comemorado atrĂĄs das telas sem qualquer empatia por vĂtimas humanas ou animais.
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