O governo Lula (PT) passou a emprestar ao STF (Supremo
Tribunal Federal) aeronaves da FAB (Força Aérea Brasileira), desde 2023, para
viagens dos ministros da corte. Os nomes dos passageiros desses voos não são
divulgados, e parte da lista é mantida sob sigilo pelo período de cinco anos.
Antes, apenas o presidente do Supremo tinha um avião oficial
à sua disposição. Os demais ministros do tribunal costumavam pegar carona em
voos solicitados por outras autoridades, como ministros de Estado.
O governo Lula diz que as aeronaves são usadas pelo STF por
causa de ameaças feitas a ministros do tribunal desde os ataques de 8 de
janeiro e que o sigilo é necessário por razões de segurança.
A reportagem obteve as informações por meio de pedidos
baseados na LAI (Lei de Acesso à Informação) após detectar a presença
frequente, em relatórios publicados no site da FAB, de voos classificados como
"à disposição" do Ministério da Defesa, sem revelar o requerente.
Com os novos dados, foi possível descobrir que a maior parte
das solicitações dos aviões partiu do Supremo e que ministros da corte
realizaram pelo menos 154 viagens do início de 2023 até o fim de fevereiro de
2025.
De acordo com pessoas que acompanham o assunto, um dos
passageiros frequentes é Alexandre de Moraes, responsável pelas principais
investigações contra bolsonaristas. Além de participar das agendas do tribunal
em Brasília, o ministro tem residência em São Paulo e dá aulas na Faculdade de
Direito da USP.
No mês passado, como mostrou a Folha de S.Paulo, Moraes usou
aeronave da FAB na véspera de acompanhar, no estádio, o título conquistado pelo
Corinthians no Campeonato Paulista.
Os trajetos mais comuns dos ministros são idas e voltas de
São Paulo a Brasília, totalizando 145 viagens.
O Supremo aproveita brechas nas regras de uso de aviões da
FAB para transportar outros ministros além do presidente e ocultar os ocupantes
dos voos.
O decreto de 2020 que regula as viagens permite o uso das
aeronaves pelos presidentes do Senado, da Câmara e do Supremo, além de
ministros do governo e comandantes militares. A lista não inclui explicitamente
ministros do STF, mas afirma que o Ministério da Defesa pode liberar os voos de
outras autoridades nacionais e estrangeiras.
A brecha nas regras foi ampliada em abril de 2024, quando o
TCU (Tribunal de Contas da União) deu aval para manter sob sigilo os detalhes
dos voos realizados em aviões da FAB por altas autoridades por razões de
segurança.
A decisão tem sido usada para omitir os nomes dos
passageiros, inclusive para os casos em que os magistrados pegam caronas em
voos solicitados por outras autoridades. A reportagem pediu aos ministérios e
ao STF, via LAI, a lista dos ocupantes dos voos feitos desde 2023.
O Supremo citou a regra do TCU para não fornecer as
informações, mas não revelou por quanto tempo deixará os dados sobre as viagens
em sigilo.
A FAB divulga em seu site a relação das viagens em aeronaves
oficiais feitas por ministros do governo e presidentes do Supremo, da Câmara e
do Senado. Em parte dos voos, também há os nomes dos passageiros, decisão que
passou a ficar a critério de cada órgão desde a manifestação do TCU.
Os dados disponíveis não permitem apontar a totalidade de
ocasiões em que Moraes e outros ministros utilizaram as aeronaves -há apenas
informações parciais.
Desde que tomou posse no comando do STF, em setembro de 2023,
Luís Roberto Barroso viajou 215 vezes pela FAB, utilizando o seu direito de ser
transportado em aviões oficiais. Em 2024, Barroso foi a autoridade que mais
vezes se deslocou com aeronaves da Força, com 143 voos de janeiro a dezembro.
Nos registros públicos da FAB, as comunicações de voos de
outros ministros são raras. Em 2024, há 10 de Cármen Lúcia, 3 de Cristiano
Zanin, 1 de Moraes e 1 de Gilmar Mendes (que teve ainda outro voo anotado em
fevereiro de 2025). Os ministros, nesses casos, estavam em voos solicitados por
outras autoridades, como Barroso e ministros do governo federal.
As viagens de Zanin e Moraes foram em janeiro de 2024, antes
da regra do TCU. Na lista de passageiros dos voos de Moraes e de Gilmar estavam
as esposas dos respectivos ministros, Viviane Barci de Moraes e Guiomar de
Albuquerque Lima Mendes.
As investigações sobre a trama golpista contra a posse de
Lula, em 2022, indicam que Moraes teve a localização monitorada por aliados do
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Em 2023, o ministro foi hostilizado no
aeroporto de Roma.
Em novembro de 2024, um homem morreu ao se explodir em frente
ao STF, depois de tentar entrar no tribunal, e colocou novamente em alerta os
Poderes.
Para especialistas em transparência, não há justificativa
para negar informações sobre voos que já foram concluídos.
O advogado Bruno Morassutti, diretor de advocacy da Fiquem
Sabendo, diz que é preciso observar se o sigilo dá proteção adicional ou se
apenas prejudica a transparência.
Marina Atoji, diretora de programas da Transparência Brasil,
avalia que a divulgação é necessária para prestar contas e possibilitar o
controle social.
"O sigilo sob o argumento da segurança da autoridade
sobre uma informação como essa só é aplicável, quando muito, na etapa anterior
à viagem", diz Atoji.
SUPREMO DIZ SEGUIR LEI, E MINISTÉRIO CITA 'GRAVÍSSIMAS
AMEAÇAS'
Em nota, o STF afirmou que todos os "pedidos de
apoio" feitos à FAB seguem "rigorosamente" a legislação. "A
principal motivação para solicitações é a garantia da segurança das autoridades
com base em análises técnicas."
Até março de 2024, os voos que atenderam a ministros da corte
foram solicitados pelo Ministério da Justiça. A partir do mês seguinte, o
próprio STF passou a acionar o governo para mobilizar as aeronaves. Em todos os
casos, os voos são classificados no site da FAB apenas como "à
disposição" do Ministério da Defesa.
Em nota, o Ministério da Justiça afirmou que os ministros do
Supremo passaram a sofrer "gravíssimas ameaças" após os ataques de 8
de janeiro.
Segundo a pasta, por esse motivo, "houve alinhamento no
sentido de resguardar a integridade física e reforçar a segurança dessas
autoridades, que passaram a ser orientadas a voar, preferencialmente, em voos
da FAB em missões institucionais".
O ministério afirmou que a lista de passageiros dos voos do
STF ficará sob sigilo por cinco anos.
Procurada, a Defesa não se manifestou sobre os voos
solicitados por outros órgãos.
Por Bahia Notícias