Foto: Rafael Martins / GOVBA
Início da tarde da última quarta-feira (19) e imagens de
radares projetadas no telão na sala do CGE (Centro de Gerenciamento de
Emergências), dentro do Palácio dos Bandeirantes, mostram o céu limpo no
território paulista. Mas o meteorologista William Minhoto, 36, está atento às
nuvens a nordeste do estado, que se aproximam pela divisa com Minas Gerais.
Uma mancha lilás no interior da formação indica acumulado de
chuva próximo a 100 milímetros, algo capaz de causar transtornos caso avance
para a densamente habitada região metropolitana de Campinas.
"Não é preocupante porque está perdendo força",
comenta, após alguns instantes de observação. Cinco minutos depois, a imagem
atualizada confirma a dissipação sobre a serra da Mantiqueira. Apesar da
segurança adquirida ao longo de dez anos de atuação no CGE, Minhoto diz não
descartar surpresas com mudanças repentinas no tamanho e direção de potenciais
tempestades.
Projeções de radares mostram de forma eficiente o que há
dentro das nuvens, mas demoram até 15 minutos para serem renovadas. O intervalo
deixa momentaneamente o observador no escuro e, quando a atualização surge, o
prazo para a decisão de disparar alertas emergenciais para a população é curto.
Na véspera, Minhoto decidiu enviar um alerta sobre o risco de
chuva de granizo na região central da capital paulista. Ele redigiu o texto,
limitado a 150 caracteres, disparado à tarde pelo ainda novo serviço de
"cell broadcast", utilizado pela primeira vez no país no Natal de
2024 e, na capital paulista, há quase um mês.
O sistema demora 4 minutos para sinalizar uma mensagem de
perigo na tela de telefones celulares conectados a antenas no perímetro
considerado de risco. Mas na terça-feira passada (17), quando o alerta apareceu
para os usuários, pedras de gelo já tinham caído sobre quem transitava pela
área. A equipe do CGE viu seu trabalho ser criticado nas redes sociais.
"Talvez tenha chegado tarde para quem estava na Santa
Cecília, mas pode ter funcionado em Higienópolis", comentou, dando como
referência bairros vizinhos na região central paulistana.
Ainda naquela terça, às 20h14, um novo alerta foi disparado
para a zona norte da capital, uma hora antes de uma motorista de aplicativo
morrer dentro do carro submerso em uma avenida do bairro Freguesia do Ó. A
avaliação do comando da Defesa Civil, subordinada ao governador Tarcísio de
Freitas (Republicanos), é de que o aviso antecipou o alagamento e pode ter
evitado que mais pessoas se colocassem em risco.
"O cell broadcast não é uma ferramenta de previsão do
tempo, mas sim para tirar pessoas da exposição ao risco", afirma o coronel
Henguel Ricardo Pereira, coordenador da Defesa Civil do Estado.
O esforço para estruturar um sistema de alerta é reconhecido
por especialistas ouvidos pela Folha, que atestam a sua capacidade de precaver
a população para a formação de alagamentos ou deslizamentos, que costumam
ocorrer em precipitações com duração superior a uma hora. Mas eles também
afirmam que é possível e necessário melhorar o serviço.
Uma das principais estudiosas das previsões de curto prazo,
segmento da meteorologia conhecido pelo termo em inglês "nowcasting",
Izabelly Costa afirma que a tecnologia disponível para meteorologistas
brasileiros permitiria disparar alertas com antecedência entre 30 minutos e 1
hora.
Grandes formações extremamente perigosas, como a que provocou
65 mortes no litoral paulista há dois anos, poderiam motivar avisos com horas
de antecedência, diz.
O que falta ao Brasil é a criação de grupos de
meteorologistas exclusivamente dedicados a esse ramo das previsões, segundo
Costa, que é coordenadora do programa de nowcasting do Inpe (Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais).
No CGE paulista, os mesmos cinco meteorologistas que fazem
previsões convencionais também se dedicam às análises de curto prazo.
A diferença, explica Costa, é que a análise de curto prazo no
Brasil é regional, realizada basicamente com o apoio de radares. Embora estes
sejam os melhores instrumentos para "enxergar o que tem dentro da
nuvem", diz, essa informação somente surge quando a tempestade já está
perto demais.
Em vez da varredura regional, um serviço estruturado de
nowcasting faria o acompanhamento por tempestades, iniciando o monitoramento
dias antes com imagens de satélites, não por radares. É assim que serviços
europeus e americanos conseguem dar alertas com horas de antecedência.
Satélites são, no entanto, menos precisos quanto às
informações sobre o conteúdo das formações. "É mais difícil ler o topo das
nuvens", diz Costa. Mas ela insiste que treinamentos específicos atenuam
esse obstáculo e garantem a vantagem da análise de tempestades ainda distantes.
"Não há serviço de nowcasting no Brasil", afirma.
A Defesa Civil em São Paulo discorda da afirmação de que não
possui um serviço de nowcasting, embora não o realize nos moldes descritos pela
pesquisadora. O órgão também afirma manter contato com o Inpe para aprimorar o
trabalho.
Satélites, radares e inteligência artificial podem melhorar
previsão
Após a tragédia de São Sebastião, o governo paulista instalou
um radar em Ilhabela para detectar tempestades que chegam pelo Atlântico em
altitude abaixo da serra do Mar, algo que não existia no estado.
Um segundo aparelho foi instalado em Campinas, elevando para
sete os equipamentos sob posse do governo estadual. Mais quatro estão previstos
para serem adquiridos a um custo estimado em R$ 60 milhões.
Os novos radares atualizam informações a cada cinco minutos,
ante 15 minutos dos antigos.
Ampliar o número de radares é somente um dos desafios para
lidar com as consequências das mudanças climáticas.
Imagens de satélites analisadas no CGE em São Paulo, por
exemplo, são geradas a partir de cálculos matemáticos realizados por
supercomputadores do sistema de monitoramento europeu. Já o Inpe trabalha com a
modelagem americana.
Ambos fornecem previsões satisfatórias, mas a precisão
poderia aumentar se estivessem calibrados com mais dados sobre o relevo
brasileiro, por exemplo.
Questões que podem começar a ser resolvidas a partir do
segundo semestre deste ano, quando o Inpe prevê disponibilizar uma modelagem
brasileira e contar com o início da operação de um novo supercomputador.
Diálogos com universidades e empresas de tecnologia para
conectar os diversos instrumentos e serviços meteorológicos disponíveis e
utilizar a inteligência artificial para a interpretação de quantidades massivas
de informações é uma das missões do departamento do CGE dedicado a alertas
meteorológicos.
Enquanto o aprimoramento tecnológico segue em curso, o
comando da Defesa Civil descarta mudar seu protocolo para o cell broadcast.
Avisos à população continuarão a ser disparados sempre que olhos humanos
detectarem o perigo, nem sempre antes do início da chuva.
Por Bahia Notícias