
Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom
Agência Brasil.
O Ministério Público Federal
arquivou, em janeiro de 2022, uma denúncia que pedia providências ao órgão
sobre possíveis descontos ilegais de aposentadorias de beneficiários do INSS
(Instituto Nacional do Seguro Social).
A denúncia, obtida pela
reportagem por meio da Lei de Acesso à Informação, afirmava que o INSS efetuava
descontos indevidos a pedido da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores
Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares), sem qualquer autorização por
escrito dos beneficiários.
O INSS, no entanto, afirmou
que desconhecia as irregularidades, e a Procuradoria da República do Distrito
Federal arquivou o caso, apontando falta de provas mínimas para abrir uma
investigação. A decisão foi tomada pelo procurador Nery Figueiredo.
O comunicado do INSS negando a
fraude foi feito pelo então chefe de gabinete da presidência do instituto,
Emanuel de Araújo Dantas, por meio de uma nota da área técnica do órgão.
O documento enviado ao MPF foi
assinado por Márcia Soares, que chefiava a divisão de acordos nacionais e
benefícios do INSS. O texto relatava que não havia ciência de indícios do
cometimento de irregularidades pela Contag.
A servidora também afirmou não
haver registro de ocorrência dos descontos de associados sem autorização
explícita dos titulares de benefícios previdenciários, até a data da nota, em 7
de dezembro de 2021.
Além disso, informou que
encontrava-se ativo o ACT (Acordo de Cooperação Técnica) firmado entre o INSS e
a Contag, com vigência até 22 de agosto de 2024, para desconto nos benefícios
previdenciários, mediante autorização expressa de seus associados.
O conteúdo da denúncia levado
ao MPF foi mantido em sigilo. As manifestações da procuradoria e do INSS não
revelam detalhes das suspeitas levantadas pelo denunciante. As investigações da
Polícia Federal sobre o caso apontam que havia irregularidades nos descontos
pelo menos desde 2019.
Após a resposta do INSS, o
procurador da República Igor Nery Figueiredo arquivou a notícia de fato
afirmando que ela era "desprovida de elementos de prova ou de informação
mínimos para o início de uma apuração".
Ele acrescentou que,
"conforme informações reunidas nos autos", a Contag possuía termo de
cooperação técnica ativo com o INSS, "que a autoriza a proceder a
descontos nos benefícios previdenciários de seus associados (mediante
autorização expressa)".
O procurador destacou que não
havia "qualquer indício de irregularidade ou registro de ocorrência de
descontos indevidos".
Também disse que,
"somando-se a tais informações", foi verificado que o autor da
denúncia não anexou à representação quaisquer documentos demonstrando a
verossimilhança de suas alegações, nem apresentou declarações das possíveis
vítimas sobre a ilegalidade dos descontos e/ou procuração para atuar em seus
nomes.
"Tal contexto, aliado ao
fato da impossibilidade de notificação do noticiante para apresentação de dados
complementares, inviabiliza a adoção de quaisquer providências por parte do
Ministério Público Federal, sendo certo que o arquivamento dos presentes autos
é medida que se impõe", escreveu o procurador. Ele ainda afirmou que não
havia, por ora, "providências a serem adotadas" e arquivou o caso.
Em nota, a Contag disse que é
uma instituição séria, que não praticou e nem pratica qualquer irregularidade
no âmbito do ACT com o INSS e que, por isso, não tem qualquer temor com relação
aos fatos sobre investigação.
"Defendemos a
investigação rigorosa e estamos colaborando com as mesmas desde o momento em
que tomamos conhecimento de sua existência. Não recebemos qualquer denúncia
anterior referente a tais fatos", disse.
Acrescentou que os descontos
foram regulares e devidamente autorizados e que dispõe de todas as autorizações
mencionadas, apresentadas à PF.
Procurada, a funcionária do
INSS Márcia Soares respondeu que não foram encontrados elementos nos autos que
pudessem apontar irregularidades em relação ao acordo de cooperação com a
Contag.
"Ainda que o narrado pelo
magistrado apontasse pretensos descontos irregulares, que ainda estão em
apuração, na data da emissão do parecer não havia essas informações. O analista
emite seu parecer com as informações existentes naquele momento", disse.
Ela também afirmou que é
servidora de carreira do órgão e que atualmente atua na coordenação de gestão
de contratações da diretoria de orçamento do INSS. O Ministério Público Federal
não se pronunciou sobre o assunto.
A assessoria do INSS não
comentou o caso específico. O órgão afirmou apenas que "suspeitas de
irregularidades nos descontos associativos são objeto de rigorosa apuração
interna, para a qual já instaurou os devidos procedimentos".
"Além disso, o instituto
reforça que contribui ativamente com as investigações dos órgãos competentes
sobre o tema", disse.
A decisão no inquérito que
investiga descontos indevidos em aposentadorias em benefícios relacionados à
Contag, de março deste ano, do juiz Frederico Botelho de Barros Viana, da 15ª
Vara Federal de Brasília, foi em sentido oposto ao da conclusão do MPF e do
INSS de 2022.
O juiz afirmou que, pelas
informações expostas pela Polícia Federal, havia a existência de "indícios
seguros" do envolvimento dos investigados responsáveis pela Contag, entre
2019 e 2024, que realizaram (e continuam promovendo) descontos associativos
indevidos de milhares de aposentados e pensionistas do INSS.
Viana também disse que a ação
pode ter ocasionado enriquecimento ilícito dos envolvidos, com possível
ocultação de patrimônio e de movimentações financeiras, sem os quais não seria
possível a prática do crime.
Ele citou na decisão que foi
identificado que o presidente da entidade assinou os acordos de cooperação
técnica com o INSS e solicitou, em ofício enviado à autarquia, o desbloqueio em
lote de 34.487 benefícios para inclusão de descontos associativos, algo
considerado irregular pela própria auditoria interna no INSS.
A Polícia Federal apontou para
"fundados indícios de lavagem de dinheiro" de pessoas ligadas à
Contag, como diretores e procuradores, no pedido de buscas na investigação no
âmbito da operação Sem Desconto.
A identificação do fluxo
financeiro atípico da confederação foi verificada em RIFs (Relatório de
Inteligência Financeira) produzidos pelo Coaf (Conselho de Controle de
Atividades Financeiras).
A CGU (Controladoria-Geral da
União) analisou que, no intervalo de 2019 a março de 2024, houve o desconto de
R$ 4,2 bilhões a título de contribuições associativas em benefícios de
aposentadorias e pensões em favor de seis entidades —não é possível dizer quanto
deste valor teria sido objeto de fraudes. Deste total, 48%, ou seja, R$ 2
bilhões foram recebidos pela Contag.
Por Bahia Notícias