
Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil
O estado da Bahia foi palco de 171 conflitos no campo em
2024. É o que afirma o relatório Conflitos no Campo Brasil, levantamento da
Comissão Pastoral da Terra (CPT), divulgado na última quarta-feira (23). Os
conflitos do campo, considerado pelo levantamento, dizem respeito as violências
contra a ocupação e a posse da terra, o que inclui despejos e expulsões,
ameaças de despejos, grilagem, invasões e outras violências.
Segundo o levantamento, em todo o Brasil, fazendeiros são os
principais agentes causadores da violência nestas regiões. A Comissão Pastoral
da Terra é uma entidade cristã, vinculada ao catolicismo, que atua na
fiscalização das violações de direitos contra os trabalhadores e povos do
campo, incluindo ribeirinhos, sem terra, quilombolas, indígenas, pequenos
proprietários e outros grupos.
No cenário nacional, a Bahia é o terceiro estado com maior
número de conflitos no último ano, atrás apenas do Maranhão, com 420 conflitos
registrados; e Pará, com 314 conflitos. No relatório, são registradas
“situações de disputas em conflitos por terra, pela água, conflitos
trabalhistas, em tempos de seca, conflitos em áreas de garimpo e conflitos
sindicais”, diz o documento.
VIOLÊNCIA NOS CONFLITOS
O relatório da Comissão ainda ilustra o cenário da violência em meio aos
conflitos no campo. Na Bahia, os conflitos provocaram a morte de uma pessoa,
sendo ela a professora e líder indígena Nega Pataxó, morta em um ataque de
fazendeiros em Potiraguá, no sul baiano, no dia 21 de janeiro.
A CPT registrou ainda uma morte “em consequência” dos
conflitos e 69 registros de pessoas ameaçadas de morte. As ameaças ocorreram em
13 ações de 8 municípios diferentes, sendo eles: Barra, na região do Velho
Chico, com um total de 17 quilombolas, do mesmo quilombo, ameaçados em dois
casos distintos; Correntina, no oeste baiano, com três comunidades de
camponeses de fundo e fecho de pasto - grupo tradicional de pequenos
proprietários - sendo ameaçadas, totalizando 48 denúncias; Eunápolis, com dois
casos envolvendo duas pessoas assentadas.
Em Itabela, na Costa do Descobrimento, houve o registro de
uma pessoa sem terra ameaçada; Lauro de Freitas, na região Metropolitana de
Salvador, onde dois quilombolas da comunidade de Quimgoma foram ameaçados;
Porto Seguro, também na Costa do Descobrimento, com caso único de um indígena
ameaçado; Santa Maria da Vitória, no oeste baiano, com um camponês de fundo de
fecho de pasto ameaçado; e Souto Soares, na Chapada Diamantina, em um caso onde
12 camponeses foram ameaçados.
Outras quatro pessoas foram presas e três agredidas em meio
as tensões no campo no ano de 2024.
EIXOS DO CONFLITO
Metodologicamente, o estudo segmentou os conflitos no campo em três eixos,
sendo eles Terra, Água e Conflitos Trabalhistas. No Eixo Terra, são registrados
conflitos relacionados a “resistência e enfrentamento pela posse, uso e
propriedade da terra e pelo acesso aos recursos naturais”, além de
ocupações/retomadas e formações de acampamentos.
No Eixo Água, são contabilizadas “ações de resistência que
visam garantir o uso e a preservação das águas; contra a apropriação privada
dos recursos hídricos, contra a cobrança do uso da água no campo, e de luta
contra a construção de barragens e açudes”. São contabilizadas ainda ações
contra mineração.
No que diz respeito ao Eixo de Conflitos Trabalhistas,
constam os casos de trabalho escravo e superexploração, e ainda manifestações
trabalhistas, como greves. Todas as informações constam no Gaia, um banco de
dados alimentado pelas secretarias regionais da CPT.
Na Bahia, assim como na maioria dos estados, os conflitos em
torno da terra são a maioria: cerca de 78,9% dos 171 casos de conflitos, um
total de 135 casos. Os conflitos envolveram camponeses de fundo e fecho de
pasto, quilombolas, indígenas e sem terra. As ocupações e retomadas de terra
foram 9 em 2024.
Ao todo, 21 municípios protagonizaram as disputas, porém,
juntos, os cinco principais municípios já agrupam quase um terço (32,5%) dos
registros. São eles: Correntina, no oeste baiano, com 19 conflitos; João
Dourado, na região de Irecê, com 7 registros; Barra, no Velho Chico, com 6
conflitos; e Santa Maria da Vitória, também no oeste baiano, e Uibaí, também na
região de Irecê, ambos com 6 registros, cada um.
Em seguida, no Eixo Água, foram 22 conflitos em 14 municípios
baianos, em sua maioria relacionados a diminuição do acesso à água. Os
municípios em questão são: Correntina (10 casos); Barreiras e São Desidério (1
caso conjunto); Belmonte, Canavieiras e Una (1 caso conjunto), Caetité (1),
Itaetité (1), Lençois (1), Piatã (2), Pindaí (1), Salvador (1), Simões Filho
(2) e Taperoá (1).
No que diz respeito aos Conflitos Trabalhistas, a CPT
contabilizou 5 ações, envolvendo um total de 27 trabalhadores, nos municípios:
de Morro do Chapéu, na Chapada Diamantina, com 2 casos relacionados a lavouras
de fibra do sisal - fibra biodegradável derivada do sisal, tradicional da
região semiárida; Nazaré, no Recôncavo baiano, em um caso envolvendo criadores
de gado de corte; Ituaçu, no sertão produtivo, em um caso envolvendo uma
lavoura de café; e Ibititá, na região de Irecê, com um caso também relacionado
a lavouras de fibra do sisal.
A Comissão Pastoral da Terra chamou a atenção ainda para a
formação, na Bahia, de um movimento ruralista chamado “Invasão Zero”. Segundo o
relatório, o grupo, “composto por grandes fazendeiros e proprietários de
terras, notabilizou-se por ações violentas contra famílias em acampamentos,
ocupações e retomada de territórios” em todo o Brasil”, escreve a CPT.
No ano em que comemora um jubileu de 50 anos, a entidade
homenageou os primeiros colaboradores do projeto de documentação de conflitos,
iniciada em 1985, 10 anos após a fundação da Comissão.
Por Bahia Notícias