
Foto:
Reprodução / Pedro Ladeira/ Folhapress
A deputada
federal Carla Zambelli (PL-SP) diz se arrepender do episódio em que perseguiu
um homem com arma em punho na véspera da eleição de 2022 em São Paulo.
"Devia ter entrado no carro e ido embora."
Ela se vê
abandonada por Jair Bolsonaro (PL), de quem era uma das principais aliadas, e
discorda do ex-presidente, que credita a ela a derrota para Lula (PT) naquele
pleito. "Não só eu como outras pessoas também perderam a amizade do
presidente no momento que precisaram", afirma.
Na última
semana, o STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria para condená-la a 5
anos e 3 meses de prisão em regime semiaberto e à perda de mandato por porte
ilegal de arma de fogo e constrangimento ilegal com emprego de arma. O
julgamento está suspenso.
Porta-voz de
destaque do discurso bolsonarista contra urnas, ela ainda buscará reverter, no
TSE (Tribunal Superior Eleitoral), uma condenação por desinformação.
Para
representar a direita na eleição de 2026, Zambelli defendeu os nomes de
Michelle e Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Após a entrevista, a deputada procurou a
reportagem e disse ter mudado de ideia sobre a resposta, afirmando ser muito
cedo para falar sobre um cenário ainda não definido.
Folha -
Como a sra. define seu momento atual?
Carla
Zambelli - Estou
num momento mais difícil politicamente falando. Nunca imaginei passar por uma
situação dessa. Uma possível prisão, por um crime que não cometi. Considero
isso uma perseguição política.
Folha -
Na última segunda-feira, o ex-presidente Bolsonaro disse 'a Carla Zambelli
tirou o mandato da gente', sobre o episódio com a arma. Como avalia essa fala?
Carla
Zambelli - Eu
discordo do presidente Bolsonaro. Eu acho que atrapalhou, sim. Mas não teve
vários dias de divulgação dessa imagem. Foi simplesmente meio dia. Não acho que
tanta gente tenha mudado de opinião em relação ao voto que daria.
É um peso
bastante grande ter ouvido aquilo. Pesou bastante nas minhas costas. Na
verdade, desde 2022 enfrento depressão por causa desse episódio e tive vários
momentos bem ruins. Ter ouvido isso dele me deixou bastante chateada.
Folha - A
sra. se vê, de certa forma, abandonada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro?
Carla
Zambelli - Sim.
Folha - O
que a sra. esperava?
Carla
Zambelli - Acho
que esperava apoio. Desde 2013 eu apoio o Bolsonaro. Antes como ativista, nas
causas dele, ajudei na eleição de 2018. Durante todo o governo. Acho que eu fui
uma das pessoas mais linha de frente dentro do Congresso para poder defender o
governo, o presidente.
Esperava ter
algum tipo de retribuição em relação a isso. Ou seja, contar com a amizade dele
nesse momento difícil. Mas acho que não só eu como outras pessoas também
perderam a amizade do presidente no momento que precisaram.
Folha - A
sra. pretende ir em algum ato a favor de Bolsonaro, como no dia 6 de abril na
av. Paulista?
Carla
Zambelli - Não,
eu não vou no dia 6 de abril, porque é sobre anistia. Se chegar na Câmara para
votar, vou votar a favor da anistia, mas não posso agora me colocar em risco no
meio do meu julgamento.
Folha - E
manifestações a favor do ex-presidente que venham a acontecer fora essa?
Carla
Zambelli - Não
sei, ainda não pensei em ir ou não, mas a princípio não.
Folha -
Em 2023, em entrevista à Folha, a sra. disse que Bolsonaro deveria ter sido
claro sobre o que pensava, dizendo para as pessoas saírem dos quartéis, e
também que ele deveria estar no Brasil para liderar a oposição. Mantém essa
avaliação?
Carla
Zambelli - Mantenho.
Acho que ele tinha que estar no Brasil e tinha que ter falado para as pessoas
saírem de frente do quartel.
Devia ter
esclarecido, ou ter feito a live lá de fora, falado 'já tô fora do Brasil,
agora não tem mais chance de voltar atrás', e pedir para as pessoas irem
embora. Isso evitaria o que aconteceu depois.
Folha - O
ex-presidente ainda se coloca como possível candidato, apesar de estar
inelegível. Como a sra. vê o cenário para 2026, quem poderia representar a
direita?
Carla
Zambelli - Tem
a Michelle, a esposa do Bolsonaro, que é uma excelente candidata. Eu acho que é
uma pessoa boa e que deveria ter o apoio do presidente. O Tarcísio [de Freitas]
também é outra opção.
Só espero
que a gente tenha isso tido com antecedência, que nos digam com antecedência
para a gente poder trabalhar.
Ele
[Tarcísio] hoje é uma pessoa que agrada também a esquerda, agrada o sistema,
porque ele tem uma certa entrada pelo STF, tem amizade com alguns ministros.
Acho que talvez o Tarcísio seja um bom nome na perspectiva do Bolsonaro.
Folha - E
na sua perspectiva?
Carla
Zambelli - O
Eduardo [Bolsonaro] é um bom nome, mas não sei se ele teria o apoio da
população como um todo. E a própria Michelle, eu gosto muito do nome dela.
Independente do que o Bolsonaro falou sobre mim.
Folha -
Tarcísio, então, como preferência pessoal, a sra. não apontaria?
Carla
Zambelli - A
princípio, não.
Folha - O
ex-presidente Bolsonaro se tornou réu no caso da trama golpista. Como a sra. vê
essas acusações, especialmente envolvendo a minuta de estado de defesa e de
sítio?
Carla
Zambelli - Acho
que é absurdo. Como é que um artifício, uma lei que está dentro da Constituição
Federal, pode ser golpe? Acho que não tem nada a ver.
Primeiro,
porque não foi colocado de fato. Pode ter sido aventado, mas não foi colocado
em votação. E segundo que não houve golpe. O Lula teve o poder, pegou o poder e
continuou no poder numa boa.
O que teve
foi uma manifestação com alguns vândalos, com outras pessoas também defendendo
bastante os lugares. Não acho que teve nada a ver com o golpe que aconteceu no
final de 2022 e início de 2023.
Folha - E
sobre as minutas?
Carla
Zambelli - Eu
recebi uma minuta. Era uma espécie de um decreto, uma coisa assim, e perguntei
na época para uma das pessoas do jurídico do presidente Bolsonaro, do Palácio
do Planalto, e ele me disse que era fake.
Não acho que
o Bolsonaro, algo que está impresso, ou que eventualmente chegou na mão dele...
Chegou na minha mão também, e nem por isso eu tinha algum envolvimento com o
golpe.
Folha -
Segundo as investigações, não tinha indício ou prova de fraude em 2022. A sra.
considera que havia elementos para implementar um estado de sítio, de defesa ou
mesmo o artigo 142?
Carla
Zambelli - Não,
não acho. Mas também não acho que é crime você estudar o assunto.
Folha -
No fim de novembro de 2022, a sra. divulgou um vídeo em que dizia, "Dia 1º
de janeiro, srs. generais quatro estrelas, vão querer prestar continência a um
bandido ou à nação brasileira? Não é hora de responder com carta se dizendo
apartidário. É hora de se posicionar. De que lado da história vocês vão
ficar?". O que a sra. queria dizer com 'é hora de se posicionar'?
Carla
Zambelli - Acho
que era o momento de os generais dizerem se Lula era bandido ou não.
Folha -
No dia seguinte ocorreu uma audiência no Senado sobre supostos indícios de
fraudes nas urnas, em que se falou sobre eventual uso do artigo 142, e em que a
sra. estava. O contexto do vídeo era de outro tipo de posicionamento.
Carla
Zambelli - Não
posso falar sobre isso, porque é motivo de um processo contra mim e que ainda
está acontecendo [no STF].
Folha - O
relatório da PF em que o ex-presidente foi indiciado afirma que a sra. foi
citada no depoimento do ex-comandante da Aeronáutica Baptista Jr. e que teria
dito a ele: 'Brigadeiro, o sr. não pode deixar o presidente na mão'. O que a
sra. quis dizer?
Carla
Zambelli - Na
verdade, eu falei em dar força para o presidente. O presidente tinha perdido as
eleições e eu falei para ele dar uma força para o presidente. Ele, na época,
não respondeu nada. E ele diz na Polícia Federal que respondeu que não faria
nada de ilegal, alguma coisa assim. Ele não respondeu isso. Ele mentiu no
depoimento dele.
Folha -
Ele ficou em silêncio?
Carla
Zambelli - Não,
ele falou alguma outra coisa que eu não me lembro bem o quê, que faz muito
tempo. [Se ele tivesse dito isso] teria dito 'eu não tô te pedindo para fazer
nada ilegal'.
Folha -
Quando a sra. diz dar uma força para o ex-presidente, havia uma expectativa de
que houvesse algum caminho para que ele ainda se mantivesse no poder?
Carla
Zambelli - Existia,
sim. Existia a possibilidade, por exemplo, do artigo 142 colocar não ele no
poder, né, mas as Forças Armadas no poder, para depois fazer uma nova eleição e
tal com urna impressa.
Mas assim
eram comentários de algumas pessoas e que a gente não via de fato acontecer
isso de verdade, não tinha nenhuma ação para isso acontecer.
Folha -
Mas houve reuniões e conversas dentro do governo, segundo as investigações. A
sra. está dizendo que isso não aconteceu...
Carla
Zambelli - Não
participei. A gente ouvia dizer, né, ouvia falar, mas não participei de nada.
Folha -
'Dar uma força' poderia estar dentro de um eventual uso do artigo 142?
Carla
Zambelli - Não
falei nada que pudesse dar a entender que seria isso.
Folha - A
sra. foi condenada a cassação e inelegibilidade no TRE-SP e tem maioria pela
condenação no STF no caso da arma. Acredita que vai conseguir reverter esses
casos na Justiça?
Carla
Zambelli - No caso
da cassação, a gente tem o TSE agora, para recorrer. É lógico que as chances
são baixas, mas a gente vai recorrer e vai tentar. [Senão] Não só eu perco o
mandato, mas os deputados que foram levados com os meus votos.
Em relação à
condenação do STF por porte ilegal, ainda tenho sim esperança. Acho que o
Gilmar Mendes, o ministro relator, e os outros ministros que já votaram, eles
eventualmente podem não ter visto meu porte [de arma] lá na minha defesa, mas
eu tinha porte federal. [Gilmar aborda esse argumento em seu voto]
Folha -
[No caso das armas] A sra. considera que a situação naquele dia foi
proporcional ao que aconteceu?
Carla
Zambelli - Foi
proporcional porque teve um tiro. E no momento que teve o tiro e que o policial
caiu no chão, ele [Luan Araújo, o homem perseguido] estava em flagrante delito,
o policial tinha dado voz de prisão para ele. Eram quatro homens que não só me
ofenderam, cuspiram em mim, me xingaram, empurraram meu filho e me empurraram
também.
Aí, quando
ele foge e eu escuto o tiro, eu só saco a arma depois do tiro. Então, ela foi
proporcional, porque quando tem um tiro, você pode sacar sua arma... Na
verdade, até antes do tiro eu poderia sacar a arma, né?
Depois a
gente ficou sabendo que o tiro tinha sido disparado pelo próprio policial
quando caiu. Mas eu, ouvindo um tiro, tenho como pensar que pode ter sido outra
pessoa. Então, acho que foi proporcional, sim. Pegando todo o contexto, não
acho que eu estava errada.
Folha -
No vídeo, depois que ele tinha ofendido a sra, é no momento que ele já está se
afastando em que a sra. começa a correr atrás dele.
Carla
Zambelli - É o
momento que eu caio. Na verdade ele não está se afastando. O carro dele estava
no lado contrário, pelo qual ele tava andando.
O que
aconteceu foi que ele me chamou de prostituta e na hora a cabeça ferveu e eu
queria bater nele. Minha ideia ali nunca era sacar a arma. Era trocar soco com
ele, a princípio. E depois que teve o tiro, eu tirei a arma.
Aquilo ali
foi só uma atitude infeliz que eu tive de ir atrás dele. Infelizmente, ali foi
onde eu errei, de querer trocar as tapas, soco, com o homem. Eu jamais ia
ganhar um negócio desse.
Como mulher
eu deveria ter ido embora, ter cuidado da minha vida, ter aguentado...[Mas]
naquele dia eu tinha passado a madrugada recebendo muita ameaça de morte. E
aquele alerta que eu estava acabou prejudicando o meu julgamento.
Folha -
Caso a sra. não consiga reverter a inelegibilidade, pretende voltar para a
política depois?
Carla
Zambelli - Pretendo,
em 2030. Não vão se livrar tão cedo de mim.
Folha -
Tem algo na sua trajetória na política que a sra. se arrepende ou faria
diferente?
Carla
Zambelli - Esse
dia de ter ido atrás desse rapaz. Devia ter entrado no carro e ido embora, como
fazia sempre todas as vezes que tentavam, até hoje, que tentam brigar comigo na
rua. Esse dia foi o único dia que eu não saí, infelizmente. Mas me arrependo,
deveria ter saído.
Folha - E
mais alguma coisa?
Carla
Zambelli - Ter
confiado ou me doado demais por algumas pessoas.
Folha -
Alguém em específico?
Carla
Zambelli - Não.
Eu não me arrependo de ter ajudado o Bolsonaro, sabe? Algumas pessoas podem
achar que eu posso me arrepender. Eu não me arrependo, não. E vou continuar
defendendo ele no que eu achar que é certo.
- RAIO-X | Carla Zambelli, 44
Ativista
fundadora do grupo Nas Ruas, ganhou notoriedade nos protestos pelo impeachment
de Dilma Rousseff (PT). Foi eleita deputada federal pelo PSL em 2018 e reeleita
pelo PL em 2022. É gerente de projetos, formada em planejamento estratégico
empresarial na Universidade Nove de Julho.
Por Bahia
Notícias