
Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil
O uso de alguns antidepressivos pode agravar o quadro de
demência em pacientes idosos, aponta um estudo realizado na Suécia com mais de
18 mil indivíduos. Em particular, os resultados indicam que os inibidores
seletivos de recaptação de serotonina (ISRS, do inglês "selective
serotonin reuptake inhibitors"), como o escitalopram, estão associados a
uma aceleração do declínio cognitivo.
Estudos anteriores já haviam buscado avaliar a segurança do
uso de antidepressivos em pacientes com quadros de neurodegeneração. Algumas
pesquisas sugerem um impacto positivo desses medicamentos na redução dos
biomarcadores da demência, embora os resultados até então fossem
inconsistentes.
A professora emérita da Universidade Federal Fluminense,
Vilma Câmara, afirma que a neurodegeneração e a depressão podem estar
relacionadas. Segundo ela, pacientes que apresentam humor deprimido ao longo da
vida e não conseguem uma cura podem desenvolver demência na velhice.
A especialista ressalta ainda que a depressão pode ocasionar
sintomas de perda de cognição, como o esquecimento. Por esse motivo, em
estágios iniciais, é comum que os profissionais prescrevam antidepressivos na
tentativa de eliminar essa possível causa subjacente.
No novo estudo sueco, os autores destacam que alguns
pacientes recebem a prescrição desses medicamentos para tratar sintomas
comportamentais e psicológicos da demência, os quais podem ser confundidos com
episódios depressivos. Para esses casos, o estudo desaconselha o uso dos
remédios, pois o tratamento não estaria direcionado à causa subjacente dos
sintomas.
Os resultados foram obtidos a partir de uma pesquisa com
dados de quase 19 mil pessoas, com idade média de 78 anos, incluídas em uma
coorte. Todos os participantes, recém-diagnosticados com demência, receberam a
prescrição de antidepressivos pela primeira vez até seis meses antes do
diagnóstico da doença. Eles foram monitorados entre 2007 e 2018, com avaliações
de sua função cognitiva por meio de exames realizados, em média, a cada quatro
anos.
Na coorte, os ISRS foram prescritos para seis em cada dez
participantes, sendo estes os antidepressivos mais populares entre os diversos
tipos disponíveis. Os dados apontam uma correlação significativa entre doses
mais altas desses remédios e o aumento dos quadros de demência grave entre os
pacientes. O estudo foi publicado na prestigiada revista científica BMC
Medicine.
Além disso, os pesquisadores constataram que há maior risco
de fraturas e mortalidade geral entre pacientes com demência que utilizaram
essa classe de antidepressivos. Segundo os autores, contudo, os ISRS não podem
ser associados diretamente ao aumento do declínio cognitivo com base apenas nos
dados analisados.
Entre as limitações do estudo, os pesquisadores apontam que a
análise pode ter sido subdimensionada. A gravidade da demência em cada paciente
pode contribuir individualmente para o declínio cognitivo, sem que se possa
atribuí-lo com certeza ao medicamento.
De acordo com especialistas, é fundamental buscar um
diagnóstico preciso para promover o tratamento adequado. No Brasil, o
diagnóstico da demência é realizado, majoritariamente, de forma clínica,
conforme explica Kleber Francisco Vargas, psiquiatra vinculado à Empresa
Brasileira de Serviços Hospitalares e ao hospital universitário de Campo
Grande. Para tanto, é fundamental passar por uma avaliação neuropsicológica,
que analisa as diversas funções cerebrais.
Os dados de uma anamnese abrangente são complementados por
exames de sangue, que ajudam a descartar outras causas de demência; de imagem,
como a ressonância magnética do crânio; e por testes de espectroscopia, que
avaliam a presença de determinadas proteínas no organismo.
O tratamento envolve intervenções tanto medicamentosas quanto
não medicamentosas. Entre os fármacos utilizados, os anticolinesterásicos se
destacam por ajudar a retardar o avanço da doença. Nos avanços mais recentes,
os antiamiloides, aprovados pela agência sanitária americana entre 2021 e 2024,
surgem como uma novidade, embora ainda não sejam utilizados no Brasil.
Por outro lado, para preservar a reserva cognitiva, é
importante que os pacientes pratiquem atividades físicas, mantenham uma boa
alimentação e se participem de trabalhos biopsicossociais de reabilitação
cognitiva, com o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar que inclua,
entre outros, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas.
Entre os estudos que investigaram os efeitos dos
antidepressivos em pacientes com demência, destaca-se um trabalho publicado na
revista científica Alzheimer’s & Dementia, que acompanhou 5,5 mil
holandeses por um período de dez anos ou mais. Todos os participantes
ingressaram no estudo sem sinais de perda de cognição, e seu histórico de uso
dessas drogas foi analisado por meio de registros de farmácia.
Embora os resultados tenham indicado que a neurodegeneração
foi um pouco maior com antidepressivos tricíclicos do que com os ISRS, o estudo
conclui que não há evidências suficientes para associar o uso dessas drogas ao
risco de demência, ao declínio cognitivo acelerado ou à atrofia cerebral.
Outro trabalho, de revisão sistemática e meta-análise,
realizado por pesquisadores da Alemanha e da Suíça e divulgado no ano passado,
demonstra que os antidepressivos também não promovem efeitos positivos na saúde
desses pacientes. Entre os mais de 27 mil artigos científicos analisados, não
foram encontradas evidências satisfatórias de que essas drogas possam melhorar
o estado cognitivo, a qualidade de vida ou a funcionalidade na população idosa
com demência.
Por Bahia Notícias