Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil
As Forças Armadas vão permitir
--pela primeira vez na história-- que mulheres participem do alistamento
militar para ingresso na carreira de soldado.
A decisão foi tomada pelo
ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, em conversa com os comandantes
militares. A previsão é que as mulheres entrem nas fileiras das Forças em 2026.
"Nesse assunto, o Brasil
deve muito. E não é para fazer serviço de enfermagem e escritório, é para a
mulher entrar na infantaria. Queremos mulheres armadas até os dentes",
disse Múcio à Folha de S.Paulo.
Atualmente as mulheres já são
autorizadas a entrar nas Forças Armadas por outros meios, co mo nas escolas que
preparam oficiais. A participação feminina, porém, é limitada --só a Marinha
libera atuação delas em áreas mais combatentes, a de fuzileiros navais.
O alistamento feminino será
voluntário e, pelos planos da Defesa, deve ser permitido às mulheres que
completarem 18 anos em 2025. O modelo é semelhante ao serviço militar
masculino, mas no caso delas sem a obrigatoriedade de se apresentarem às
Forças.
Apesar do acerto entre todos os
chefes militares, há divergências sobre a quantidade de vagas que devem ser
reservadas às mulheres --desacerto que será levado para decisão de Múcio.
O ministro da Defesa havia
determinado que as vagas reservadas às mulheres crescessem gradativamente até
alcançar 20% das cerca de 85 mil pessoas que entram no serviço militar
anualmente.
As vagas são, em maioria,
destinadas ao Exército (75 mil), acompanhado da Aeronáutica (7.000) e da
Marinha (3.000).
O Alto Comando do Exército
discutiu a proposta de inclusão das mulheres no alistamento militar em sua
última reunião, entre os dias 13 e 17 de maio. Os 16 generais da cúpula da
Força participaram do encontro.
Segundo relatos feitos à Folha
de S.Paulo, na ocasião foi apresentado o resultado de estudos do Estado-Maior
do Exército. Eles sugerem que sejam abertas de 1.000 a 2.000 vagas para as
mulheres em 2025, com prioridade para áreas em que haja presença feminina, como
hospitais, escolas e bases administrativas.
O plano interno é aumentar
gradativamente as vagas até chegar a 5.000 --número menor que o apresentado por
Múcio, já que os 20% representam 15 mil vagas no Exército.
A justificativa interna é que
não é possível saber quantas mulheres vão buscar o alistamento militar. É
preciso também ajustar as instalações para a chegada das mulheres, com
separação de dormitórios e adaptação de banheiros.
Os dados ainda não foram
apresentados ao ministro. "Acho 1.000 pouco. Vou pedir uma programação,
para ver em quantos anos chegará aos 20%", disse Múcio.
O serviço militar tem duração de
12 meses prorrogáveis até o limite de 96 meses. O jovem ingressa como soldado
e, com o tempo máximo permitido, pode deixar a Força como 3º sargento.
A professora Adriana Marques, da
UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), avalia que a inclusão de
mulheres no serviço militar, via alistamento, não é a abordagem correta para se
"buscar equidade de gênero nas Forças Armadas".
"Nós só vamos conseguir
assegurar equidade de gênero nas Forças Armadas quando as mulheres puderem
ingressar nas armas de combate. Isso que eles estão fazendo é uma
demagogia", afirma.
Adriana é crítica ao Serviço
Militar Obrigatório porque ele não forma soldados profissionais. As pessoas
alistadas ficam, geralmente, um ano em unidades militares e não cumprem funções
relacionadas à defesa nacional, como limpeza de quartéis.
"Esse padrão do serviço
militar obrigatório, que elas ficam um ano, [...] elas não vão formar uma
carreira."
A PGR (Procuradoria-Geral da
República) entrou com três ações no STF (Supremo Tribunal Federal) pedindo que
sejam consideradas inconstitucionais as barreiras impostas pelas Forças Armadas
para a participação feminina.
A Procuradoria pede que as
mulheres possam entrar em todas as funções (no jargão militar chamadas de
armas) sem restrições de vagas e com livre concorrência.
O governo Lula (PT) se
posicionou contra o fim das restrições. Em um dos documentos que embasaram a
posição do Executivo, o Exército disse que a inclusão de mulheres em
determinadas funções pode comprometer o desempenho militar numa situação de
combate por causa da "fisiologia feminina".
"É necessário reconhecer
que a fisiologia feminina, refletida na execução de tarefas específicas na zona
de combate, pode comprometer o desempenho militar em operações de combate,
dependendo do ambiente operacional", diz trecho do documento do Exército.
A Marinha foi a primeira das
Forças a abrir suas fileiras para as mulheres, em 1980. As primeiras inscrições
femininas para o curso de fuzileiros navais, porém, só ocorreram no último ano.
As mulheres ocupam 8.420 dos
cerca de 75 mil cargos ativos na Marinha --total de 11%, segundo dados do
início do ano.
Na Aeronáutica, as mulheres
representam pouco mais de 20% do efetivo (14.118 mulheres num total de 67.605
militares) e são impedidas de entrar na infantaria --arma responsável pelo
combate a pé.
O Exército permite a entrada de
mulheres em seus quadros desde 1992. A participação feminina, porém, avançou
pouco: elas representam somente 6% do efetivo da Força Terrestre --13.017 num
universo de mais de 212 mil militares ativos.
As mulheres não podem entrar nas
armas consideradas mais combatentes do Exército: cavalaria, infantaria,
artilharia e engenharia.
Os militares que ingressam
nessas funções são os responsáveis por ocupar a linha de frente em batalhas,
conduzindo armas e blindados para o confronto, ou apoiar as ações com canhões e
construções de pontes improvisadas.
José Múcio conta que o plano de
inclusão de mulheres amadureceu durante este ano, enquanto as Forças eram alvos
das ações no STF. O ministro também visitou diversos países e conheceu a
realidade da participação feminina em exércitos estrangeiros.
"No Chile, há um
quantitativo bem elevado de mulheres", disse o ministro. Múcio visitou o
país em abril e conversou com a ministra da Defesa chilena, Maya Fernández
Allende --neta de Salvador Allende, presidente do Chile deposto e assassinado antes
da ditadura militar de Augusto Pinochet.
O ministro também conheceu a
realidade de Portugal. Em entrevista à Folha de S.Paulo, a ex-ministra da
Defesa portuguesa Helena Carreiras disse que as Forças Armadas devem eliminar
restrições às mulheres para não se tornarem "monolíticas".
"Organizações que não
aceitam a diversidade, que são monolíticas, são instituições que vão definhar,
que não vão entender e enfrentar os desafios da complexidade de tarefas que têm
pela frente."
Por Bahia
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