Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil
O programa Desenrola Brasil
-promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)- chega ao
fim nesta segunda-feira (20), tendo atingido a meta de renegociar R$ 50 bilhões
em dívidas de pessoas físicas, mas sob alerta de novos endividamentos dos
consumidores que tiveram o poder de compra reativado.
O Ministério da Fazenda estimava
que esse objetivo seria alcançado até o fim do ano passado, quando estava
previsto o término do programa. Foram necessárias duas prorrogações e cinco
meses a mais para o cumprimento da estimativa inicial.
Até a última sexta-feira (17),
foram renegociados R$ 52,93 bilhões em dívidas pelo Desenrola, beneficiando
cerca de 15 milhões de pessoas, que voltaram a ter acesso ao mercado de
crédito. O número de favorecidos, contudo, ficou aquém do potencial do programa.
Quando a iniciativa foi
anunciada, em julho do ano passado, o governo tinha como público-alvo 70
milhões de brasileiros negativados e projetava poder ajudar até 30 milhões de
pessoas.
Apesar dos números divulgados,
um membro do governo disse à Folha de S.Paulo que internamente as estimativas
eram mais modestas e havia a expectativa de atingir 10 milhões de brasileiros,
ou seja, um terço do que foi anunciado.
O desenvolvimento do Desenrola
esbarrou em questões técnicas e exigiu um grande trabalho de tecnologia da
informação para tirar o programa do papel no curto prazo. Isso fez com que
novas funcionalidades tivessem de ser incorporadas no decorrer do processo já
com ele em marcha.
Depois de ter conseguido boa
adesão dos cidadãos com renda de até R$ 20 mil que renegociaram suas dívidas
diretamente com instituições financeiras na fase inicial, o Desenrola patinou
na etapa seguinte -voltada para o consumidor de renda mais baixa- diante da
dificuldade de levar as pessoas até a plataforma do programa.
Ao longo do processo, foram
anunciadas diversas medidas para facilitar o acesso e fazer deslanchar a fase
voltada para cidadãos com renda bruta mensal de até dois salários mínimos (R$
2.640) ou inscritos no CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais do
Governo).
Para tentar estimular o
engajamento, o governo autorizou que os brasileiros com nível de certificação
bronze no portal gov.br pudessem refinanciar suas dívidas pelo site do
Desenrola. Antes, clientes com esse perfil só podiam optar pelo pagamento à
vista.
Na reta final, ampliou parcerias
com a extensão do acesso ao site por meio de birôs de crédito (Serasa) e de
aplicativos de bancos, como Caixa Econômica Federal, Itaú e Santander. Tais
medidas colaboraram para o "sprint final" do programa.
Para a educadora financeira Dina
Prates, faltou uma campanha complementar de comunicação do governo para
combater as notícias falsas que tinham o Desenrola como alvo, além de um
trabalho mais amplo de educação financeira.
"As pessoas não entendiam a
diferença entre desnegativar e renegociar a dívida. Então, foi causando um
ruído de comunicação coletivo. Muita gente achava que, como tinha saído do SPC
[ficado com o "nome limpo"], não precisava mais negociar a
dívida", disse.
Ela conta, por exemplo, ter sido
procurada por clientes preocupados se ficariam impedidos de financiar um imóvel
do Minha Casa, Minha Vida, programa de habitação do governo, caso renegociassem
dívidas pelo Desenrola -o que não é verdade.
A especialista alerta que, sem
orientação, há risco de novo endividamento, uma vez que o consumidor precisa
entender o impacto da dívida refinanciada pelo Desenrola dentro do seu próprio
orçamento e como utilizar de forma consciente o crédito disponibilizado pelas
instituições financeiras depois de ter seu poder de compra reativado.
Como exemplo, menciona o caso de
dois clientes que quitaram as dívidas pelo Desenrola, mas voltaram a se
endividar com o uso do cartão de crédito devido à liberação de um limite mais
alto concedido por instituições financeiras.
Ela diz ainda ser cedo para
quantificar o números de pessoas que participaram do programa e voltaram a se
endividar, mas projeta que os efeitos vão começar a aparecer no fim do ano.
Apesar das ponderações, Prates
considera que o Desenrola teve um papel importante para a população de baixa
renda, após um pico de endividamento durante a pandemia de Covid.
Pelo programa, podiam ser
renegociadas dívidas negativadas de 2019 a 2022, com valor atualizado de até R$
20 mil por contrato. Entravam na renegociação dívidas bancárias e não bancárias
(como, por exemplo, contas atrasadas de água e luz).
No início de maio, o secretário
de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Barbosa Pinto, disse
que o governo Lula injetou menos de R$ 2 bilhões no programa. Mas esse montante
pode crescer nos próximos meses em caso de inadimplência. A partir do segundo
semestre, os dados permitirão fazer um mapeamento da evolução do cenário.
A quantidade de dívidas
renegociadas à vista colaborou para o baixo volume utilizado até agora, para
surpresa de quem projetou o programa. Se todas as negociações tivessem sido
financiadas, o Desenrola teria ocupado o dobro de espaço no FGO (Fundo Garantidor
de Operações). O governo separou R$ 8 bilhões para servir de fiador das
negociações.
"Para cada R$ 1 que a gente
investiu no Desenrola, a gente renegociou R$ 25 de dívidas. É um programa muito
importante, não só para a população que estava enrolada, mas também para as
empresas e para os bancos que tiveram seus créditos recuperados", afirmou
Pinto em evento organizado pela FPE (Frente Parlamentar do Empreendedorismo).
A economista Juliana Inhasz,
professora do Insper, valoriza o conceito por trás da iniciativa do governo
federal de recolocar consumidores de volta ao mercado, mas vê problemas em sua
operacionalização.
"O governo devia uma medida
para a sociedade para conseguir fazer com que as negociações acontecessem e,
naturalmente, aumentar a base de consumidores para fazer a economia crescer.
Então, o programa foi feito a toque de caixa", diz.
Inhasz vê influência da questão
política na celeridade dada ao programa, afetando o resultado entregue para a
população brasileira.
"O objetivo principal era
cumprir uma promessa de campanha, que foi de fato cumprida, mas eu acho que
isso fez com que o programa saísse bem aquém do que a gente gostaria de ver e
do que o Brasil precisava", afirma.
Inhasz diz que o Desenrola
deveria ser parte de um programa mais "sólido". "Não é um
programa que gera o efeito educativo que deveria gerar", acrescenta.
Nesse contexto, considera que os
principais beneficiados pela iniciativa do governo foram aqueles que se
encaixavam na faixa 2, ou seja, com renda entre R$ 2.640 e R$ 20 mil. Isso
porque são pessoas com renda mais alta e com acesso a crédito mais caro, com
oportunidades menos vantajosas para saírem do endividamento.
Em termos quantitativos, esse
grupo (faixa 2) contabilizou até a última sexta 3 milhões de pessoas
beneficiadas, com a negociação de R$ 26,5 bilhões em dívidas nos bancos.
Já a faixa 1 do Desenrola contou
com a renegociações de R$ 25,43 bilhões em dívidas no site do programa e nos
canais parceiros, favorecendo 5,04 milhões de brasileiros.
Ao todo, 7 milhões de pessoas
tiveram a retirada automática do cadastro de inadimplentes, ou seja, ficaram
com o "nome limpo" por conta de débitos de até R$ 100 -as dívidas
somavam cerca de R$ 1 bilhão.
A equipe econômica vem falando
publicamente que avalia o Desenrola como um sucesso e que ele cumpriu a sua
função enquanto programa emergencial. Na visão do governo, essa experiência vai
facilitar o ambiente de renegociação de dívidas no país daqui para frente.
NÚMEROS DO PROGRAMA DESENROLA
BRASIL
Total até sexta-feira (17)
Mais de 15 milhões de pessoas
foram beneficiadas
R$ 52,93 bilhões em dívidas
renegociadas
Faixa 1
5,04 milhões de pessoas
beneficiadas
R$ 25,43 bilhões em dívidas
renegociadas (plataforma e canais parceiros)
Faixa 2
3 milhões de pessoas
beneficiadas
R$ 26,5 bilhões em dívidas
renegociadas (bancos)
"Nome limpo"
7 milhões de pessoas
beneficiadas com a retirada automática do cadastro de inadimplentes por débitos
de até R$ 100. As dívidas somavam cerca de R$ 1 bilhão.
Por Bahia
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